Com o dispositivo, que tem o tamanho de um grão de arroz e é imperceptível para quem olha para a pessoa, é possível armazenar pequenos arquivos que serão lidos por outros aparelhos, como celulares, sensores de catraca, etc.
Esse tipo de solução existe há alguns anos, mas ainda gera surpresa em várias pessoas.
"Normalmente,
olham estranho pra você porque não é um negócio muito trivial", diz o
especialista em segurança cibernética Thiago Bordini, que tem um chip em
cada mão desde 2018.
Como funciona o chip implantado na mão — Foto: Arte/g1
Ele conta que o chip gera comentários de quem o vê pela primeira vez
aproximando a mão de uma catraca, e não um crachá, por exemplo.
"Tem algumas pessoas que têm curiosidade e pedem pra ver. Porque, se
você passa o dedo em cima, você o sente. As pessoas querem saber o que é
sentir, é bem curioso", afirma.
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Lina Lopes realizou performance artística em que sensores identificam chips para emitir sons — Foto: Arquivo pessoal
A reação também é percebida pela artista digital Lina Lopes, que implantou um chip em cada mão para realizar uma performance (saiba mais abaixo).
Ela relata que, em 2017, quando apresentou sua obra, houve vários
comentários sobre a presença do chip, sendo alguns deles negativos.
"Recebi
várias mensagens no meu Facebook comentando sobre questões religiosas,
sobre o apocalipse, sobre o número da besta", lembra.
Ela conta que o chip também gera interesse em sua filha de oito anos.
"A gente estava de mãos dadas na rua, aí ela ficou apertando o meu chip e
falou: 'Às vezes, é tão estranho apertar seu chip, mamãe'. Eu falei:
'Você tem uma mamãe ciborgue, é isso'".
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Um raio-x mostrando chip da Walletmor, que pode ser usado para realizar pagamentos — Foto: WALLETMOR
Como o implante é feito?
O chip pode ser implantado no corpo em poucos minutos
e o processo geralmente acontece em estúdios de aplicação de piercing,
conta Antônio Henrique Dianin, fundador da Project Company, que vende os
dispositivos.
Mas o dermatologista Daniel Cassiano, membro da Sociedade Brasileira de
Dermatologia, discorda. "Acho que no mínimo um profissional da saúde
deve ser o responsável pela esterilização e antissepsia dos materiais",
afirma.
Dianin diz que, desde 2014, a empresa vendeu milhares de unidades do
chip, mas não sabe informar um número exato. E que até hoje não
registrou nenhum problema de rejeição nos organismos dos clientes.
Bordini afirma que a incisão do chip usa uma seringa um pouco mais
grossa do que a usada para tirar sangue. No pós-implante, ele usou
curativo, antisséptico e pomada cicatrizante por cerca de uma semana.
Ele conta que, nesse período, é possível sentir o chip com o dedo e
movimentá-lo internamente pois o corpo ainda não "travou" o dispositivo.
"Passados 10 ou 15 dias, o organismo começa a absorver e, depois, essa
movimentação praticamente inexiste", conta.
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Thiago Bordini, especialista em segurança cibernética, tem um chip em cada mão desde 2017 — Foto: Arquivo pessoal
Segundo Cassiano, o chip pode causar uma reação negativa se o organismo
entender que está sendo invadido e agir para "prender" o dispositivo no
local. Nesses casos, é possível haver uma inflamação e a região do implante pode ficar endurecida. Caso isso aconteça, é importante retirar o dispositivo o quanto antes.
"A
gente chama isso de granuloma de corpo estranho. Não é comum porque o
material é inerte", diz. "Mas pode ser que aconteça em algumas pessoas
de desenvolver o granuloma. Isso é uma predisposição da pessoa".
O risco de que os chips entrem em contato com terminações nervosas e
veias é pequeno na região onde eles costumam ser colocados, cerca de 4
mm abaixo da pele entre os dedos polegar e indicador, segundo o médico
Daniel Cassiano.
Ele explica que os dispositivos não costumam gerar reações negativas do organismo, mas, em alguns casos, elas podem existir. A situação é parecida com casos de brincos e piercings que causam irritação na pele, explica.
Um material inerte é o que não sofre alterações ao entrar em contato
com água. É o caso do vidro, que reveste o chip da Project Company.
Segundo o dermatologista, também existe um risco de infecção no momento do implante.
"Quando você abre uma porta de entrada na pele, também pode fazer uma
porta de entrada para bactéria e dar infecção", explica.
O que fazer com um biochip?
Bordini conta que usou o dispositivo tanto para substituir o crachá da empresa e o cartão de entrada em seu condomínio quanto para proteger seu notebook.
"Quando
eu me afastava do notebook, que perdia o contato com meu biochip, ele
automaticamente bloqueava o computador. Era uma trava que eu tinha",
explica.
Lina conta que chegou a usar o chip para salvar links que abriam o seu contato no WhatsApp e uma página com seus dados de saúde. Mas, no caso dela, a principal finalidade foi uma performance artística com um instrumento musical.
Ela desenvolveu um aparelho que reunia vários sensores, que detectavam o
chip quando a mão passava por perto e, então, tocavam uma série de
acordes e disparavam projeções visuais.
"Eu
não utilizei meu chip pra uma abordagem mais pragmática ou no dia a
dia", conta a artista. "A minha abordagem é por um viés criativo, ou
seja, eu não estou ali pra tentar resolver problemas do dia a dia".
O que (ainda) não dá pra fazer?
Ainda que os chips possam ser usados em vários casos, há uma finalidade
que não está disponível aos usuários no Brasil: o pagamento em máquinas
de cartão de crédito.
Dianin, da Project Company, explica que, tecnicamente, é possível usar o implante como um dispositivo por aproximação
com NFC [sigla em inglês para Comunicação por Campo de Proximidade],
mas isso ainda não foi liberado pelas operadoras de cartão.
"Os
bancos utilizam o padrão NFC. Se você encostar o chip na maquininha,
ele consegue ler como se fosse como se fosse um cartão, mas, como ele
não é registrado em nenhum banco, não é aceito como sendo um cartão",
afirma.
Procurada pelo g1,
a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços
(Abecs) disse que os chips poderiam ser usados em pagamentos, como
acontece com cartões, smartphones, pulseiras, smartwatches, entre
outros.
"No entanto, antes de estar disponível ao mercado, o produto e seu
fabricante precisam passar por homologações em relação ao hardware e
também por uma série de testes no que diz respeito às aplicações
embarcadas no chip, para, então, serem aprovadas pelas bandeiras", disse
a entidade em nota.
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) disse ao g1
que "dispositivos ou microdispositivos que usam a tecnologia NFC são
passíveis de homologação". A Project Company, por exemplo, não tem
homologação da Anatel por entender que esse tipo de produto não precisa
da certificação.
Em outros países, o pagamento com o chip já é possível. A empresa anglo-polonesa Walletmor começou a vender esse tipo de dispositivo em 2021 e afirma que foi a primeira a colocá-lo a disposição dos clientes.
Segundo a empresa, o implante pode ser usado como qualquer cartão por
aproximação. "Ele pode ser usado onde quer que pagamentos sem contato
sejam aceitos", disse Wojtek Paprota, fundador da Walletmor, à BBC.
E a segurança das informações?
Os chips se comunicam com outros dispositivos por radiofrequências. Segundo Dianin, da Project Company, essa conexão costuma acontecer por duas faixas: 125 KHz e 13,56 MHz.
Ele explica que a primeira não tem criptografia e, por isso, pode ser clonada com mais facilidade.
Ela costuma ser chamada de RFID (Identificação por Radiofrequência),
ainda que todos os chips usados em implantes usarem essa tecnologia.
A segunda faixa é usada em dispositivos com o padrão NFC, suportado por
smartphones, relógios inteligente e terminais de pagamento, por
exemplo.
Mas nem todos os chips que usam a frequência de 13,56 MHz são NFC e, consequentemente, mais seguros. Isso porque, além da faixa, eles precisam seguir uma série de especificações para serem compatíveis com o padrão.
Para Lina, os comentários negativos que são feitos sobre o implante de
chips são fruto de um receio sobre o que poderia ser feito com os
dispositivos. "Eu acho que essas pessoas estão com medo de várias
questões", analisa.
A artista entende que as pessoas não têm medo do chip em si, mas de
atos mal-intencionados que poderiam ser feitos a partir dele. "O que as
pessoas têm medo é do ser humano, do pior que o ser humano pode
oferecer", avalia.
Entenda: microchips que permitem pagamento com a mão