"Pesquisa realizada pela Favela Shopp, em parceria com o Mundo do Marketing, mostra que 43% dos moradores já compraram em lojas virtuais e 80% o fariam, caso tivessem acesso."
O público é atrativo: no Brasil, as mais de 12 milhões de pessoas que vivem em comunidades movimentaram, em 2013, cerca de R$ 64,5 bilhões, segundo dados do Data Popular. Para atendê-las, entretanto, as empresas precisam se adequar a peculiaridades nos hábitos de consumo, nas formas de pagamento e nas entregas nesses territórios.
O primeiro desafio das companhias é conseguir chegar à casa dos clientes, diante de terrenos tipicamente acidentados e urbanizados de forma não planejada. Segundo pesquisa realizada pela Favela Shopp, em parceria com o Mundo do Marketing, 80% dos moradores de favelas dizem que fariam compras pela internet, caso tivessem acesso e houvesse entrega em sua residência.
O questionamento foi feito a pessoas que vivem em favelas do Rio de Janeiro, como Alemão, Babilônia / Chapéu Mangueira, Rocinha e Jacarezinho.
O percentual de pessoas que afirmou já ter efetivamente realizado aquisições em lojas virtuais, entretanto, foi de apenas 43%, lançando luz sobre um potencial de consumo que pode ser melhor aproveitado pelas marcas.
“A entrega é muito difícil, até porque muitas dessas áreas são consideradas de risco. O terreno também é desnivelado, o que faz com que muitos fretes cheguem apenas à parte baixa da favela.
Além da dificuldade logística, existe a questão ainda de muita gente não ter cartão de crédito”, afirma Fernanda Ruiz, Fundadora da empresa Favela Shopp, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Falta de acesso a cartão de crédito
A pesquisa mostrou que o principal empecilho - apontado por 21% dos entrevistados que nunca fizeram aquisições em um e-commerce - é justamente a falta de cartão de crédito, seguido de desconfiança (20%), preferência por comprar na loja (16%) e entrega inexistente na favela (12%).
Ainda de acordo com o levantamento, 53% dos moradores dessas áreas não têm plástico próprio. Muitas pessoas contam apenas com as versões emitidas por lojas, como Renner, C&A, Marisa, Riachuelo, Leader, Di Santinni, Carrefour e Ponto Frio.
Diante deste cenário, a Favela Shopp passa a oferecer às marcas a possibilidade de chegar a esse território de uma maneira diferenciada: por meio de um e-commerce itinerante. A empresa monta um veículo equipado com diversos tablets conectados a uma loja virtual que reunirá ofertas dos parceiros.
Além do acesso facilitado à internet, os moradores também poderão adquirir um cartão pré-pago internacional da Acesso Card.
A entrega ficará por conta da Atitude Express, braço da ONG Atitude Social, especializada na atuação em áreas de favela.
O Fundador, Antônio Tibúrcio, é morador do Complexo da Penha e se especializou nos fretes para regiões de difícil acesso. “Nossa intenção é atrair marcas que queiram entrar nesse mercado com descontos mais agressivos do que aqueles que oferecem nas lojas”, explica Fernanda.
Há comunidades em que as encomendas e os produtos comprados em lojas virtuais são deixados na Associação de Moradores e aqueles que moram ali precisam ir a esse ponto buscar os itens.
O adensamento desordenado faz com que muitas casas fiquem em becos estreitos, não tenham CEP e sequer endereço formal, o que representa mais dificuldades para as empresas que buscam entregar suas ofertas nas favelas.
A Netshoes é uma das marcas que encara o desafio, com a promessa de levar os produtos para todo canto do país. O e-commerce foi um dos apontados na pesquisa por quem já tem o hábito de realizar compras virtuais, assim como Centauro, Mercado Livre, Bomnegócio.com, Ponto Frio, Ricardo Eletro e, até, Ebay, entre outros.
Para cumprir com seus prazos de frete, a maior loja virtual de artigos esportivos do mundo conta com mais de 15 parceiros de logística.
As opções vão desde a distribuição tradicional, por meio dos Correios, até a entrega esportiva, em que atletas fazem com que a encomenda chegue à casa do cliente no mesmo dia do pedido.
“O esporte tem aderência em toda classe social, e alcançamos um volume de venda tão grande - um mínimo de 550 mil produtos por mês - que nos exige sofisticação nas parcerias de logística”, explica Juliano Tubino, CMO da Netshoes, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Transparência transmite segurança
A transparência no momento de compra também é importante na conquista desse consumidor que, muitas vezes, ainda sente insegurança ao comprar em uma loja virtual. A Netshoes informa ao consumidor os tempos mínimos e máximos de entrega, garantindo uma previsibilidade ao cliente.
A falta de respeito a prazos, dificuldades de troca e outros problemas podem inibir uma próxima compra e devem ser minimizados.
Para evitar atrasos na entrega de produtos em locais de difícil acesso, o e-commerce de artigos esportivos investiu em centros de distribuição espalhados pelo país, que garantem para a empresa de logística o recebimento do produto apenas duas horas após a compra pelo cliente.
“Assim, ajudamos a minimizar as dificuldades que se encontram na ponta. Temos também miniescritórios dos Correios dentro dos centros de distribuição”, acrescenta Tubino.
Esses esforços são fundamentais para reduzir o índice de moradores de favela que afirmam não comprar pela internet por não se sentirem seguros.
“Muitos têm medo de não poder reclamar caso o produto apresente defeito, por exemplo. E isso, muitas vezes, está relacionado a alguma experiência anterior. O fato de você comprar por um e-commerce e depois ir à loja física e ficar sabendo que as empresas, apesar do mesmo nome, são distintas, pode ser frustrante, por exemplo”, analisa a antropóloga do consumo, Hilaine Yaccoub.
Comportamentos culturais próprios
O comportamento cultural dessa população impõe outros obstáculos para uma maior adesão desse público às lojas virtuais.
“Ir ao shopping é entretenimento para esses grupos, um momento planejado em família ou entre amigos, fora a concorrência das feirinhas em espaços alternativos, que hoje já até parcelam compras, oferecendo preço diferenciado e experimentação do produto.
Quanto mais caro for o bem, mais esses consumidores vão querer ver e tocar a oferta antes da decisão. Eles também são menos suscetíveis a compras por impulso, típicas da web”, ressalta Hilaine.
Ainda assim, há oportunidades para quem mire neste target.
“Eles estão experimentando e começando a conhecer o canal. As pessoas são educadas para consumir. A população em geral, até bem pouco tempo atrás, só comprava livros pela internet, e isso mudou. Como a web é mais recente nas favelas, levará um tempo para se tornar natural nessas áreas, mas os moradores estão caminhando bem rapidamente”, acrescenta a antropóloga.
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