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terça-feira, 1 de setembro de 2015

“Velho mundo está ruindo e abrindo espaço para uma nova economia”

"KoAnn Skrzyniarz, Fundadora do Sustainable Brands, alerta para a necessidade de se olhar para novas formas de criar valor em um mercado guiado pela sustentabilidade."


*|\0/|* Por Renata Leite | 01/09/2015


KoAnn Vikoren Skrzyniarz, Fundadora do Sustainable Brands
A acentuação das catástrofes climáticas, os problemas de mobilidade urbana nas grandes cidades e a descrença da população mais jovem no real impacto das empresas no bem-estar coletivo elevam a importância de os negócios incluírem a sustentabilidade como um dos drivers de seus negócios. 

As respostas para essas e outras questões nem sempre estão claras e demandam das companhias uma revisão da forma como atuaram ao longo de anos, por vezes décadas. A troca de experiência entre elas é fundamental, oportunidade oferecida pelo evento Sustainable Brands, que desde 2006 reúne empresas ao redor do mundo. 

Algumas das questões levantadas na semana passada, na edição do Rio de Janeiro, foram como tornar a economia circular uma realidade; como escalar empreendimentos sociais; como medir, analisar e reportar os impactos sustentáveis; e como construir lares e cidades inteligentes. O evento marca presença anualmente em seis dos sete continentes e nove cidades ao redor do globo. Novas áreas serão contempladas em 2015 e 2016, aumentando o alcance dos debates. 

Nestes nove anos de realização do evento, muitos avanços ocorreram, mas os desafios também vêm se tornando maiores. “A queda nas bolsas de valores, que está sendo vivenciada ao redor do mundo agora, pode gerar medo, mas na realidade é um sinal de que o velho mundo está ruindo e abrindo espaço para a próxima economia. É uma oportunidade para as marcas.

Melhor do que lutar duramente para proteger o velho, temos que olhar para as novas formas de criar valor”, sentencia a Fundadora do Sustainable Brands, KoAnn Vikoren Skrzyniarz, em entrevista exclusiva ao Mundo do Marketing.

Mundo do Marketing: Como você avalia os avanços conquistados no mercado e na sociedade ao longo dos nove anos de realização do evento Sustainable Brands?
KoAnn Skrzyniarz: Os esforços precisam crescer muito. Os desafios ambientais são enormes. Por alguns momentos, perdemos a noção de que as questões que estamos combatendo continuam piorando. 


Sabemos, mesmo que instintivamente, que estamos vendo mais eventos climáticos extremos, a Terra continua sofrendo com perdas de biodiversidade e, além do meio ambiente, a desigualdade de renda vem se tornando uma questão econômica importante. 

E não está restrita aos países em desenvolvimento, ocorre também nos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, vem se tornando um problema grave. E isso não é sustentável. 

Ao mesmo tempo, tantas coisas boas estão acontecendo em todos os lugares. Um dos condutores de mudanças são os Millennials, que realmente se importam em fazer algo com significado no trabalho. 

Os empregadores que ainda não são motivados por questões ambientais, mas sim pelo cenário competitivo da força de trabalho, vêm sendo exigidos a apresentarem algum tipo de propósito, o que é ótimo. Também estamos assistindo a uma mudança de comportamento entre os consumidores ao redor do mundo. É lento, mas está acontecendo.

Pelo que vejo nos estudos, o Brasil tem sido uma exceção em relação aos demais países, o que é preocupante. Os padrões de consumo aqui não estão se movendo tanto na direção da sustentabilidade como em outras partes do mundo. É algo que precisa ser compreendido melhor para se chegar às respostas possíveis.

Mundo do Marketing: Mas isso pode estar relacionado ao grau de maturidade, certo? Parte da população só está tendo acesso a determinadas categorias de produtos agora.
KoAnn Skrzyniarz: Sim. Eu, como americana, e muitos dos meus colegas buscamos ajudar os demais países a evitarem nossos erros. Porque é fácil olhar de fora e achar que o sonho americano é o sonho que todos deveriam perseguir, quando na verdade ele não nos guiou para a felicidade. 


Ele nos levou a muitas consequências negativas e não intencionais. Não é que haja culpados, nós só não entendemos isso lá no começo da estrada do Marketing voltado para o crescimento. 

Mundo do Marketing: Será que teremos que passar por tudo isso para conseguir visualizar que esse não é o melhor caminho?
KoAnn Skrzyniarz: É possível que sim, mas como humanos temos a capacidade de passar por esses estágios muito mais rapidamente agora, por conta da crescente consciência em relação à humanidade e do crescimento da inteligência, da interconectividade e da disponibilidade de informação. 


É complicado para os Estados Unidos dizerem “não cometam nossos erros”, porque é fácil repudiar agora, mas, como estive em muitos países em desenvolvimento, posso dizer que vi diversas vozes indo na direção certa. 
A Natura é um exemplo fabuloso. Ela está entre as companhias que aparecem no livro publicado este mês “Green Giants: How Smart Companies Turn Sustainability into Billion-Dollar Businesses”. 

A obra aponta para empresas com faturamentos superiores a US$ 9 bilhões que cresceram alicerçadas sob propósitos ambientais e sociais. Essa não é mais uma conversa restrita a negócios de pequeno porte. Muitas dessas companhias passam a mensagem de que uma vida simples é uma vida feliz.

A queda nas bolsas de valores, que está sendo vivenciada ao redor do mundo agora, pode gerar medo, mas na realidade é um sinal de que o velho mundo está ruindo e abrindo espaço para a próxima economia. É uma oportunidade para as marcas. Melhor do que lutar duramente para proteger o velho, temos que olhar para as novas formas de criar valor. 

Esse cenário é especialmente importante para o Brasil, que é tão dependente da venda de commodities. Sabemos que a comercialização de mais commodities não é sustentável, porque a Terra já está saturada. O planeta não pode sobreviver a uma economia baseada na venda de commodities. Então, o país precisa nutrir os inovadores que estão procurando outras formas de criar valor para o mundo. 

Mundo do Marketing: O Brasil também vive um momento de recessão econômica, o que demanda cautela. É possível medir o retorno sobre os investimentos em sustentabilidade no crescimento da receita?
KoAnn Skrzyniarz: É 100% possível e está acontecendo em todo lugar. Negócios disruptivos estão superando negócios tradicionais. O Airbnb é um ótimo exemplo disso, como empresa que tem apenas seis anos mas está ganhando espaço no mercado dominado por companhias como a Hilton Hotels. O modelo o torna bem mais escalável do que outras formas de hospedagem, o que o faz extremamente competitivo. O Uber é mais um importante exemplo.


Mundo do Marketing: A economia compartilhada vem se apresentando como um modelo mais sustentável em relação ao uso de recursos. Você acredita que esse tipo de negócio pode prosperar e transformar o mercado?
KoAnn Skrzyniarz: Sim e é apenas um exemplo de modelo que está levando ao crescimento do faturamento em novos negócios. 


Começamos o Sustainable Brands baseados na ideia de que a conversa sobre mitigação de risco e redução de custos era muito limitada e que a oportunidade real no Século 21 estava relacionada a crescimento de receita e em reputação de marca, com relacionamentos melhores com os consumidores, lealdade, maior competitividade e atratividade de profissionais. 

Essas eram as nossas hipóteses quando começamos e, hoje, temos muito mais dados que demonstram que isso realmente acontece com as empresas que colocam a sustentabilidade em seu core. 

Elas estão vendo não só o aumento de receita como todos os demais ganhos que mencionei. E estatísticas apontam para o crescimento orgânico em companhias como Unilever, na qual as marcas que mais crescem são aquelas que levaram o propósito para o centro.

Mundo do Marketing: Por outro lado, muitas marcas ainda se apoiam na obsolescência programada para vender mais.
KoAnn Skrzyniarz: O desenvolvimento para a obsolescência deveria ser extinto e, em algum momento, será, porque os consumidores não respeitam isso. A realidade é que é difícil encontrar uma alternativa, mas todo desafio representa uma oportunidade. 


Existe uma companhia na Inglaterra chamada Fairphone que cria smartphones possíveis de serem desmontados. Se o consumidor quiser ter uma nova tela ou uma nova cor de estrutura externa, mais memória, qualquer coisa, é possível fazer a troca da peça. Ou se uma parte quebrar, é viável abrir o aparelho e consertá-lo. Esse é o conceito que os consumidores irão amar e adotar. Trata-se de uma grande oportunidade para companhias pegarem emprestada.

A forma e a rapidez com que os conceitos estão se propagando é impressionante. Outro exemplo foi a ideia de um supermercado francês, chamado Intermarché, que observou que desperdiçamos uma grande quantidade de comida apenas porque algumas frutas e vegetais não são visualmente atraentes. Os consumidores não os compram porque eles são feios. 

Então, a varejista realizou uma campanha de Marketing, preparando sopas e sucos com esses ingredientes. Eles explodiram em vendas. A rede fez graça com o fato de não comprarmos os alimentos por não serem bonitos e passou a vender esses produtos a um preço mais baixo, como uma forma de incentivar a aquisição deles. Essa ideia acabou aproveitada por diversas outras varejistas em menos de um ano.

O conceito combina crescimento de receita e a oportunidade de solucionar um problema social, que é o desperdício de comida. Os exemplos hoje são incontáveis, enquanto há uma década eram bem pouco numerosos.
Os cases de negócios estão se tornando cada vez mais evidentes. 

Há mais ferramentas e ideias disponíveis para usar e inovar, começando por aquelas direcionadas para gestão, mensuração e divulgação da performance dos negócios. Surgem continuamente mais exemplos de sucesso para seguir. Também estamos vendo empresas grandes e pequenas liderando esse movimento, o que é muito importante. 

As pequenas empresas têm mais oportunidades de serem criativas e responderem a mudança do ambiente, enquanto as grandes companhias podem gerar mais impacto de escala. Quando elas se unem, algo mágico acontece, tornando a aceleração possível. 

Mundo do Marketing: E a sociedade, ela também vem revendo seu comportamento?
KoAnn Skrzyniarz: É muito inspiradora a forma como comunidades que não estavam tradicionalmente preocupadas com isso estão se unindo para discutir e solucionar questões ambientais e sociais. A forma como o Papa vem abordando esses assuntos de forma pública e firme é importante para engajar a comunidade da fé a respeito deste tópico, criando novos horizontes para os consumidores e novos mercados para os negócios sustentáveis. 


Na semana passada, houve o anúncio de um grupo de líderes islâmicos condenando os danos causados pelo petróleo e defendendo a substituição dele pela energia renovável a médio prazo. 

Vim de uma família evangélica muito conservadora e, nos Estados Unidos, a discussão ambiental sempre foi liderada por liberais. A comunidade religiosa não foi envolvida nem se envolveu porque costumava considerar essa uma questão do “inimigo”. Existe uma lacuna de confiança, e a sustentabilidade é um tema capaz de unir todas as pessoas. 

Nós nadamos ou afundamos juntos e isso é a realidade de nosso futuro. 
A encíclica do Papa está dirigida para a importância de prestar atenção e se engajar nesses tópicos da sustentabilidade. Então, agora, existe uma nova categoria de consumidores com os quais, tradicionalmente, nós não falávamos, que começam a acordar e buscar informações e soluções. 

Mas não está vindo apenas dos católicos, também de muçulmanos, evangélicos, que representam novos consumidores para receberem as mensagens dos comerciantes. Essa mensagem pode precisar de algumas adaptações para esses grupos, mas funcionará.

Mundo do Marketing: O que as empresas ainda não entenderam sobre as demandas ambientais e sociais da contemporaneidade?
KoAnn Skrzyniarz: Muitas ainda não se tornaram conscientes. O problema é que a Era Industrial foi construída com o foco na eficiência e na produtividade. E foi dessa forma que criamos o bem-estar e tiramos as pessoas da pobreza.


Tornamo-nos muito adaptados a essa prática, mas ela não demanda o entendimento do sistema como um todo. Consequentemente, as pessoas se desconectaram do todo e se desconectaram de si mesmas. Quando trabalham, tornam-se máquinas, não pensam nas implicações do que fazem nesse sistema maior. Isso que nos trouxe até os problemas que temos hoje. 

Agora, assistimos a mudanças importantes nesse cenário, como o movimento do yoga, que é um caminho para uma conscientização que vem tomando o lugar ocupado pela espiritualidade das religiões por anos, em diversos países. As pessoas acabaram se desiludindo com as instituições religiosas por causa da prática delas, que, para mim, estão desconectadas dos conceitos e da essência da fé. 

Isso levou muitos a se afastarem delas. O yoga e outros movimentos estão relacionados à necessidade de as pessoas se reconectarem.

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