"Ampliação de renda e crédito dentro das comunidades viabiliza a expansão de negócios. Criatividade de empresários dribla dificuldades estruturais e mantém cultura local."
*.#||#.* Por Luisa Medeiros, do Mundo do Marketing | 24/02/2014
As favelas são um território fértil quando o assunto é microempreendedorismo. Vielas, becos e ladeiras comportam salões de beleza, lojas de roupas, calçados, utilidades, brinquedos, mercadinhos, farmácias, restaurantes, lanchonetes, docerias, aviários, lojas de artigos religiosos e o que mais a imaginação de seus moradores permitir.
O empreendedorismo resiste às dificuldades orçamentárias, à geografia acidentada e ao histórico de violência dessas regiões. As empresas são predominantemente familiares e cultivam uma cultura de negócio voltada para a vizinhança. Muitas ainda aceitam, por exemplo, o “caderno do fiado” e priorizam o pagamento em dinheiro.
As rotinas seguem horários de funcionamento alternativos, excedendo o comercial: é possível encontrar produtos e serviços a qualquer hora da madrugada, assim como também é comum ver placas nas portas indicando pausas de duas ou três horas no funcionamento no meio da tarde.
Outra variável ainda presente no cotidiano são os confrontos entre policiais e bandidos, que quando ocorrem instalam o medo e levam o comércio a baixar as portas. Em meio às dificuldades e à informalidade, a favela se consagra como um celeiro de novas empresas e consequentemente um novo ambiente de consumo.
Este movimento econômico atrai os olhares de órgãos como o Sebrae, que costuma visitar empresas oferecendo consultoria. Em paralelo, organizações voltadas para a difusão do conhecimento, como o Projeto AR, também ganham cada vez mais espaço e levam projetos nascidos nas comunidades para rodadas de negócios.
A AgeRio, por sua vez, acelera pequenos empreendimentos por meio da concessão de crédito. “Quando a pessoa ainda não tem um histórico bancário, ela não consegue um crédito satisfatório com juros competitivos para manter seu negócio.
O atendimento personalizado ajuda a criar um conforto na hora de se optar pela tomada de crédito. Vamos até o estabelecimento do cliente e fazemos toda a análise”, comenta o chefe do Departamento de Microcrédito da AgeRio, Hélber Venâncio, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Valorização da produção local
A Classe C soma 108 milhões de pessoas, de acordo com a pesquisa "As faces da Classe Média", realizada pelo Instituto Data Popular e pela empresa Serasa Experian. Este crescimento contínuo imprime um novo ritmo de consumo e demonstra a importância da participação deste perfil não só no que compram, mas também no que produzem.
É a partir disso que vemos o surgimento de casos de sucesso como o Boreletto, um restaurante de massas no morro do Borel, na Tijuca, no Rio de Janeiro, que segue os moldes da rede Spoleto. Seu fundador, Marcelo Lopes, é baiano e não estudou além do ensino fundamental.
O local se tornou ponto de encontro dos moradores da região que buscam temperos diferenciados, que o proprietário traz na mala cada vez que visita a família em sua terra natal.
O sucesso do restaurante do morro atraiu, no ano passado, a atenção do projeto AR, que apresentou o Chef do Borel ao Diretor de Marketing e Franquias da rede Spoleto. Ao contrário do que parece, o restaurante do Borel não se inspirou na rede de culinária italiana, já que o empresário desconhecia a existência da marca.
“Apresentamos o Marcelo ao Antônio Leite, do Spoleto, que ficou encantado com a capacidade de adaptação do modelo de negócio às necessidades daquela população. Em um primeiro momento, Marcelo pensou que fosse mais um concorrente, ele não tinha dimensão da grandiosidade da rede. Ali começou um trabalho de consultoria em prol do restaurante do Borel”, conta Rossana Giesteira, Organizadora do AR, em entrevista ao Mundo do Marketing.
O contato dessas empresas nascidas nas periferias com marcas consagradas, consultores e investidores se torna cada vez mais comum. Como consequência, plataformas de visibilidade começam a ganhar espaço junto a esses empresários, que por sua vez se profissionalizam e se aproximam do mercado de fora da comunidade. É o caso dos organizadores do evento TED X Rio, que tiveram seis credenciais de empreendedores vindos de favelas na edição de 2011.
Este foi o ponto de partida para a criação do projeto AR, dois anos mais tarde. “Queremos promover o intercâmbio de conhecimento entre empresas e a geração de visibilidade para os negócios locais. Temos um espaço para realizar exposição dos projetos e uma banca avaliadora que elege um deles para receber consultoria”, diz Rossana Giesteira.
Finanças na favela
O acesso ao crédito e aos financiamentos chega cada vez mais a empresários das comunidades, que neste processo de sofisticação de seus negócios começam também a formalizá-los e descobrir as vantagens de se posicionar como pessoa jurídica.
Com o foco nesse perfil, a AgeRio desenvolve uma linha de crédito específica. “O crédito produtivo orientado é o caminho. Mais do que o dinheiro, a consultoria permite que os recursos conseguidos se multipliquem. O cliente que está começando se sente feliz não só pelo crédito, mas por perceber que existe interesse genuíno na empreitada”, comenta Hélber Venâncio.
O universo financeiro das empresas nas favelas é heterogêneo. Apesar das facilidades de se obter dinheiro a prazo, ainda existe uma parcela dos empreendedores que prefere manter as finanças de seu comércio baseadas nas tradicionais poupanças, acumuladas ao longo de anos de trabalho. Para esse perfil, os investimentos mais sólidos são os preferidos.
Uma prática comum entre esses empresários é utilizar o lucro obtido com o negócio na compra de quitinetes para locação. É a lógica utilizada na Chagas Calçados, na Rocinha, Zona Sul do Rio de Janeiro. Além da loja, o empresário Chagas Barros conta que complementa sua renda familiar com o aluguel de casas adquiridas ao longo de 20 anos de trabalho.
Chagas toca pessoalmente o comércio e, apesar das recorrentes ofertas de crédito, prefere manter a empresa girando com o capital obtido na operação. “Já tive vários outros negócios: restaurante, loja de roupas e de brinquedos, sempre dentro da favela. Todos quebraram e o motivo principal foi a falta de disciplina.
Mudei minha forma de pensar e as atitudes, passei a ter controle financeiro e montei esta sapataria. Nunca peguei crédito e nem tive consultoria. Aprendi a comprar, atender o cliente, entender as necessidades de quem vem à loja e administrar a empresa. É tudo na prática, muita tentativa e erro”, conta Chagas Barros, proprietário da Chagas Calçados, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Força de trabalho em família
Uma particularidade que predomina é o trabalho em família: é quase uma regra ver pai, mãe, filhos e sobrinhos trabalhando juntos.
O que fortalece esse posicionamento é a lógica de que trabalhar para si é melhor e mais rentável do que trabalhar para terceiros. Este foi um fundamento que deu origem à Pensão Ponto de Encontro, na Rocinha. Há cinco anos, Antônio Izidro, conhecido como Toninho, e seu pai Rosildo trabalhavam em restaurantes e tiveram a ideia de montar o próprio negócio.
No restaurante de pouco mais de cinco metros quadrados em uma das travessas da comunidade, eles servem comida caseira e repõem os acompanhamentos sem acréscimo no valor, conforme o cliente solicita. Esta é a estratégia para conquistar a clientela. O espaço funciona diariamente de 10:00 a meia-noite, sempre sob supervisão da família.
Toninho aponta a coesão familiar como um dos pilares para manter o atendimento sempre próximo e com o padrão de qualidade que eles estabeleceram como ideal. O empresário não se arrepende da decisão de trocar a carteira assinada pelo MEI, Micro Empreendedor Individual. “Em família, todo mundo se esforça junto. Já tivemos vários parentes conosco.
Sempre eu e meu pai batalhamos lado a lado para fazer um trabalho diferenciado. O cliente tem que se sentir em casa e isso só é possivel estando próximo dele diariamente”, aponta Antônio Izidro, sócio da Pensão Ponto de Encontro.
O empreendedorismo resiste às dificuldades orçamentárias, à geografia acidentada e ao histórico de violência dessas regiões. As empresas são predominantemente familiares e cultivam uma cultura de negócio voltada para a vizinhança. Muitas ainda aceitam, por exemplo, o “caderno do fiado” e priorizam o pagamento em dinheiro.
As rotinas seguem horários de funcionamento alternativos, excedendo o comercial: é possível encontrar produtos e serviços a qualquer hora da madrugada, assim como também é comum ver placas nas portas indicando pausas de duas ou três horas no funcionamento no meio da tarde.
Outra variável ainda presente no cotidiano são os confrontos entre policiais e bandidos, que quando ocorrem instalam o medo e levam o comércio a baixar as portas. Em meio às dificuldades e à informalidade, a favela se consagra como um celeiro de novas empresas e consequentemente um novo ambiente de consumo.
Este movimento econômico atrai os olhares de órgãos como o Sebrae, que costuma visitar empresas oferecendo consultoria. Em paralelo, organizações voltadas para a difusão do conhecimento, como o Projeto AR, também ganham cada vez mais espaço e levam projetos nascidos nas comunidades para rodadas de negócios.
A AgeRio, por sua vez, acelera pequenos empreendimentos por meio da concessão de crédito. “Quando a pessoa ainda não tem um histórico bancário, ela não consegue um crédito satisfatório com juros competitivos para manter seu negócio.
O atendimento personalizado ajuda a criar um conforto na hora de se optar pela tomada de crédito. Vamos até o estabelecimento do cliente e fazemos toda a análise”, comenta o chefe do Departamento de Microcrédito da AgeRio, Hélber Venâncio, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Valorização da produção local
A Classe C soma 108 milhões de pessoas, de acordo com a pesquisa "As faces da Classe Média", realizada pelo Instituto Data Popular e pela empresa Serasa Experian. Este crescimento contínuo imprime um novo ritmo de consumo e demonstra a importância da participação deste perfil não só no que compram, mas também no que produzem.
É a partir disso que vemos o surgimento de casos de sucesso como o Boreletto, um restaurante de massas no morro do Borel, na Tijuca, no Rio de Janeiro, que segue os moldes da rede Spoleto. Seu fundador, Marcelo Lopes, é baiano e não estudou além do ensino fundamental.
O local se tornou ponto de encontro dos moradores da região que buscam temperos diferenciados, que o proprietário traz na mala cada vez que visita a família em sua terra natal.
O sucesso do restaurante do morro atraiu, no ano passado, a atenção do projeto AR, que apresentou o Chef do Borel ao Diretor de Marketing e Franquias da rede Spoleto. Ao contrário do que parece, o restaurante do Borel não se inspirou na rede de culinária italiana, já que o empresário desconhecia a existência da marca.
“Apresentamos o Marcelo ao Antônio Leite, do Spoleto, que ficou encantado com a capacidade de adaptação do modelo de negócio às necessidades daquela população. Em um primeiro momento, Marcelo pensou que fosse mais um concorrente, ele não tinha dimensão da grandiosidade da rede. Ali começou um trabalho de consultoria em prol do restaurante do Borel”, conta Rossana Giesteira, Organizadora do AR, em entrevista ao Mundo do Marketing.
O contato dessas empresas nascidas nas periferias com marcas consagradas, consultores e investidores se torna cada vez mais comum. Como consequência, plataformas de visibilidade começam a ganhar espaço junto a esses empresários, que por sua vez se profissionalizam e se aproximam do mercado de fora da comunidade. É o caso dos organizadores do evento TED X Rio, que tiveram seis credenciais de empreendedores vindos de favelas na edição de 2011.
Este foi o ponto de partida para a criação do projeto AR, dois anos mais tarde. “Queremos promover o intercâmbio de conhecimento entre empresas e a geração de visibilidade para os negócios locais. Temos um espaço para realizar exposição dos projetos e uma banca avaliadora que elege um deles para receber consultoria”, diz Rossana Giesteira.
Finanças na favela
O acesso ao crédito e aos financiamentos chega cada vez mais a empresários das comunidades, que neste processo de sofisticação de seus negócios começam também a formalizá-los e descobrir as vantagens de se posicionar como pessoa jurídica.
Com o foco nesse perfil, a AgeRio desenvolve uma linha de crédito específica. “O crédito produtivo orientado é o caminho. Mais do que o dinheiro, a consultoria permite que os recursos conseguidos se multipliquem. O cliente que está começando se sente feliz não só pelo crédito, mas por perceber que existe interesse genuíno na empreitada”, comenta Hélber Venâncio.
O universo financeiro das empresas nas favelas é heterogêneo. Apesar das facilidades de se obter dinheiro a prazo, ainda existe uma parcela dos empreendedores que prefere manter as finanças de seu comércio baseadas nas tradicionais poupanças, acumuladas ao longo de anos de trabalho. Para esse perfil, os investimentos mais sólidos são os preferidos.
Uma prática comum entre esses empresários é utilizar o lucro obtido com o negócio na compra de quitinetes para locação. É a lógica utilizada na Chagas Calçados, na Rocinha, Zona Sul do Rio de Janeiro. Além da loja, o empresário Chagas Barros conta que complementa sua renda familiar com o aluguel de casas adquiridas ao longo de 20 anos de trabalho.
Chagas toca pessoalmente o comércio e, apesar das recorrentes ofertas de crédito, prefere manter a empresa girando com o capital obtido na operação. “Já tive vários outros negócios: restaurante, loja de roupas e de brinquedos, sempre dentro da favela. Todos quebraram e o motivo principal foi a falta de disciplina.
Mudei minha forma de pensar e as atitudes, passei a ter controle financeiro e montei esta sapataria. Nunca peguei crédito e nem tive consultoria. Aprendi a comprar, atender o cliente, entender as necessidades de quem vem à loja e administrar a empresa. É tudo na prática, muita tentativa e erro”, conta Chagas Barros, proprietário da Chagas Calçados, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Força de trabalho em família
Uma particularidade que predomina é o trabalho em família: é quase uma regra ver pai, mãe, filhos e sobrinhos trabalhando juntos.
O que fortalece esse posicionamento é a lógica de que trabalhar para si é melhor e mais rentável do que trabalhar para terceiros. Este foi um fundamento que deu origem à Pensão Ponto de Encontro, na Rocinha. Há cinco anos, Antônio Izidro, conhecido como Toninho, e seu pai Rosildo trabalhavam em restaurantes e tiveram a ideia de montar o próprio negócio.
No restaurante de pouco mais de cinco metros quadrados em uma das travessas da comunidade, eles servem comida caseira e repõem os acompanhamentos sem acréscimo no valor, conforme o cliente solicita. Esta é a estratégia para conquistar a clientela. O espaço funciona diariamente de 10:00 a meia-noite, sempre sob supervisão da família.
Toninho aponta a coesão familiar como um dos pilares para manter o atendimento sempre próximo e com o padrão de qualidade que eles estabeleceram como ideal. O empresário não se arrepende da decisão de trocar a carteira assinada pelo MEI, Micro Empreendedor Individual. “Em família, todo mundo se esforça junto. Já tivemos vários parentes conosco.
Sempre eu e meu pai batalhamos lado a lado para fazer um trabalho diferenciado. O cliente tem que se sentir em casa e isso só é possivel estando próximo dele diariamente”, aponta Antônio Izidro, sócio da Pensão Ponto de Encontro.