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terça-feira, 4 de outubro de 2011

Os deuses gregos não entendem nada sobre “construção de marcas”


"Associar marcas a deuses do Olimpo e construir estratégias de marketing baseadas em determinado arquétipo não as torna legítimas, autênticas e éticas – como demanda (e merece) o consumidor, além de não revelar a verdadeira essência da marca."



[*!*] Por Paulo Al-Assal*

— Zeus, essa marca tem os mesmos atributos que você!
— Por que você acha isso, Hera? É uma marca poderosa, líder?
— Não! É uma marca dissimulada, do tipo que o consumidor não pode confiar!

Assumo o risco consciente de despertar a fúria do Olimpo – e de segmentos do marketing nacional e internacional – ao optar pelo escárnio para abordar um tema que despertou a minha atenção pelo aspecto pitoresco: a associação de arquétipos dos deuses gregos à definição do perfil de grandes marcas. A tese defendida – e que na minha opinião é frágil – é que, pela universalidade dos arquétipos, é possível entender o emocional que permeia o relacionamento consumidor-marca e, a partir desse diagnóstico, construir posicionamentos estratégicos de marketing. Não creio que seja o caso de “evocar” o mestre Junito Brandão para apontar incorreções mitológicas citadas em artigos dos defensores dessa metodologia, mas creio ser saudável ponderar sobre aspectos da construção de marcas – e da criação de um diálogo ético com os consumidores.

Concordo que o conceito de arquétipo difundido por C. G. Jung abriu à Psicologia a possibilidade de enxergar nos mitos diferentes caminhos simbólicos para a formação da consciência coletiva. Nesse processo, a visão mitológica se destaca exatamente pela profundidade e abrangência. Entretanto, o processo de construção/gestão e a forma para estabelecer diálogos das marcas com os clientes requerem um conhecimento profundo da “vocação” ou do propósito de cada marca e da percepção do consumidor. Ou seja, associar marcas a deuses do Olimpo e construir estratégias de marketing baseadas em determinado arquétipo não as torna legítimas, autênticas e éticas – como demanda (e merece) o consumidor, além de não revelar a verdadeira essência da marca.

Acredito que a condução de pesquisas dedicadas a entender o ser humano e a relevância da marca para as pessoas – aliada a uma metodologia de branding destinada a criar uma plataforma verdadeira – podem ser o caminho mais efetivo para a construção e o sucesso de determinada marca. Não é que defenda uma metodologia puramente cartesiana, aliás muito pelo contrário! Acredito que a utilização dos arquétipos nesses moldes – para definir posicionamento de marcas – seja uma medida reducionista. O que defendo é a utilização de uma metodologia mais abrangente; uma forma mais honesta de ter respostas tangíveis ao objetivo.

É exatamente na honestidade e transparência das marcas e produtos que estão pontos cruciais da construção de relacionamentos sólidos com o consumidor. Há pesquisas, inclusive, que mostram claramente o quanto o consumidor brasileiro não vê muito diferencial nos posicionamentos das marcas em geral e está farto de promessas não cumpridas por marcas, produtos e serviços. Em 2010, a Voltage conduziu a pesquisa Brand ID – em parceria com a Bridge Research –, um mapeamento completo da percepção que os brasileiros têm das marcas nacionais e internacionais de diversos segmentos.

O estudo mostrou que o consumidor contemporâneo busca valores humanos nas marcas e tem a expectativa de construir um relacionamento pautado pela transparência, honestidade, confiança, integridade, respeito e ética. A expectativa é de que as marcas sejam principalmente amigáveis e honestas. Contudo, 62% dos entrevistados mostram insatisfação ao afirmar que falta honestidade e transparência às marcas! A pesquisa aponta que a lógica do novo consumidor é a mesma da internet – pede troca, abertura ao diálogo, participação na vida, follow constante; pede para manter a marca no centro, não no topo. Não creio que algum deus grego possa ser associado a essa demanda da sociedade.

Os investimentos em construção de marca e em estratégias de marketing devem se pautar pela conversação, colaboração, criatividade. As marcas devem conquistar o consumidor com conversas verdadeiras, relação próxima e transparente. As marcas estão se tornando agentes do mundo pós-moderno, como um sobrenome. Ao atribuir essa faceta humana às marcas, naturalmente o consumidor exige que elas se portem e se expressem como pessoas. Da mesma forma como somos atraídos por pessoas com lifestyle que nos seduz, indivíduos com personalidade marcante, valorizamos marcas que tenham propósitos e uma essência muito bem definidos e esse conceito permeando a atuação.

A forma de se comunicar foi apontada pelos entrevistados da pesquisa Brand ID como essencial na construção do relacionamento. As campanhas mais destacadas, por exemplo, são as que unem a exposição da marca a um objetivo maior como a conscientização do consumidor para questões socioambientais. A ideia que permeia essa valorização é que ao atuar como “agente do mundo”, as marcas passam a contribuir com a coletividade. Em contrapartida, as que ignoram a necessidade de manter a fluidez na relação – e a necessidade de pertencer e cuidar dos interesses coletivos – estão fora do cotidiano dos influenciadores, ou seja, dos consumidores com real capacidade de influenciar um número expressivo de pessoas.

No tocante à propaganda, há uma clara mensagem: deve evoluir, pois está sendo constantemente associada a algo vazio de significado, desprovido de transparência e de tradução da verdadeira essência. Nesse contexto, algumas marcas passam a chamar a atenção por aspectos negativos, pois comunicam positivamente as promessas, mas não as cumprem. Essas propagandas passam a habitar a esfera do discurso, o que gera um afastamento. Não por acaso, poucas pessoas dizem amar determinada marca. Ou seja, embora haja o desejo de manter uma relação humana com as marcas, o amor é destinado a amigos, familiares e pessoas próximas. Temos que nos conformar que as marcas não são o centro da vida das pessoas. Elas têm outras prioridades.

Reconheço o precioso legado dos deuses gregos, mas não creio que seja adequado pautar a construção de uma marca pelos mitos. A Cesar o que é de Cesar!

* Paulo Roberto Al-Assal é fundador e diretor-geral da Voltage, é formado em Administração de Empresas e Economia pela Colorado State University, pos graduado em Marketing (Colorado State University) e em Marketing de Entretenimento e Branding (New York University).