"Diante do cenário econômico, consumidor muda e exige mais ousadia das marcas. Olhar o passado pode ajudar empresas a resgatarem confiança e não perderem vendas."
*.-.-.* Por Priscilla Oliveira | 04/11/2015
As mudanças vividas pelo brasileiro nos últimos 10 anos trouxeram lições significativas para o futuro. Se em 2005 o país vivia um período de ascensão – que foi alcançado em 2010 – hoje o momento mostra uma realidade diferente, com o consumidor mais contido e desconfiado em relação ao futuro.
Independente de classe social existe um freio em relação às compras, o que deixa o mercado também em alerta de como seguirão os próximos anos e como deve agir perante a população.
Ainda que o momento seja de pouco estímulo, as empresas podem se preparar para os próximos quatro anos com base nas lições que a década vem deixando, sejam relacionados aos perfis de consumo ou comportamento.
De acordo com o relatório “Retrospectiva Pulso Brasil”, feito pela Ipsos, o período mudou a figura do brasileiro, que deixou de ser tão otimista em relação às conquistas do país e passou a ser mais maduro quanto as decisões.
A crise econômica vivida em 2015, em especial, está sendo fundamental para transformar o olhar sempre positivo em contido.
“Os números sobem e descem. A economia já esteve boa, agora não está mais, mas voltará a se normalizar. O que está ficando para trás é o pensamento otimista. Estamos com mais pé no chão. As pessoas cobrarão mais transparência, mais conversa e abertura. Cada semana o resultado de confiança muda, é difícil prever todo esse movimento”, afirma Dorival Mata-Machado, Diretor Geral de Pesquisas da Ipsos Public Affairs, em entrevista à TV Mundo do Marketing.
Insatisfação social
Se no entorno de 2010 as marcas encontravam um cenário econômico favorável, com uma classe C em ascensão e poder aquisitivo cada vez maior, agora a visão é diferente e é preciso muito jogo de cintura para cativar o cliente que cada vez menos pensa em gastar.
O relatório da Ipsos mostra que na última década a classe média saltou de 36% (2005) para 56% (2015), o que mostra um ponto positivo sobre a distribuição da renda. O que antes era mais parecido com uma pirâmide – sendo a base as populações D e E – hoje se parece mais com um losango.
O otimismo em relação ao futuro caiu por terra quando questões sociais e políticas foram colocadas à prova, principalmente a partir de 2013, com as manifestações populares. “Havia uma ilusão de que o Brasil era o país do futuro e hoje vemos que as pessoas não enxergam mais assim.
Aconteceram fatos históricos que mudaram esse pensamento. Em 2005, o mensalão estava no início, hoje em dia temos diversos escândalos acumulados que mudaram a forma como a população enxerga o país”, avalia Dorival.
Ainda de acordo com o estudo Pulso Brasil, atualmente apenas 8% das pessoas afirmam que o Brasil está seguindo um rumo certo.
“Nunca tivemos um número tão baixo. Esse momento de 2015 é o mais complicado que estamos vivendo nesses 10 anos. Isso é reflexo do que tiveram que abrir mão: viagens, compras e financiamentos. Tudo aquilo que ele havia conseguido em um passado não muito distante. O que era fácil tornou-se complicado”, conta o Diretor-Geral de Pesquisa da Ipsos.
Paixão nacional
A política do pão e circo que muitos atribuíam ao brasileiro também vem deixando de ser comentada. Isso porque nem mesmo os momentos de lazer e descontração vêm ajudando a imagem do Brasil. Um exemplo é a mudança no estigma de país do futebol, que pouco a pouco foi minando a esperança dos torcedores.
A gota d’água ocorreu dentro de casa, na Copa do Mundo de 2014, quando a seleção brasileira perdeu por sete a um contra a Alemanha. Um dos pontos que gerava mais orgulho, tornou-se motivo de piada.
Aliado aos fatores que já vinham ocorrendo em relação à corrupção e falta de estruturas sociais (educação, saúde e segurança), as pessoas começaram a perceber que o momento não era tão bom. “Alimentar a confiança com tantas coisas ruins acontecendo é difícil. As marcas sentem isso, mas não podem desistir de atuar. Houve receio durante a Copa, mas as que tiveram atitude proativa se deram bem”, afirma Dorival.
Os Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro podem retomar um pouco da confiança, ainda que as competições impacte mais a região local do que todo o Brasil. Isso se deve ao fato dos investimentos serem apenas para os cariocas, o que em outros estados não muda, apesar de alguns receberem partidas de futebol para aproveitar os estádios construídos para a Copa.
“A taxa de desemprego pode não ser tão alta, mas a perspectiva de crescimento de PIB e outros indicadores estão caindo. Não há nada que compense essa insegurança”, pontua Dorival.
Esperança pode voltar
O atual momento de desconfiança e de crítica da opinião pública brasileira podem ter efeitos ainda mais perversos para permanência da crise econômica. Os dados não coletaram somente índices negativos dos últimos 10 anos. Nos últimos três meses é possível observar uma estabilização dos indicadores de confiança e isso pode mudar a mentalidade sobre o futuro.
Ou seja, quando começar a não encontrar o caos que esperava, o brasileiro começará a acreditar que o pior já passou e pode apostar que o momento só vai melhorar.
Uma mudança no cenário econômico, no entanto, não é esperada pelos próximos meses. Caso a situação se normalize, a partir de março é que a população começará a avaliar os impactos.
“A tendência continua sendo negativa. Por todo o tempo que medimos a confiança conseguimos prever como será o futuro e agora estamos com um número bem baixo de intenções de compras nos segmentos que avaliamos. Dividimos a pesquisa em grupos e percebemos que em todos eles a visão positiva caiu”, conta Dorival.
Nesses grupos estão os pessimistas, que acham que pode perder emprego e não possuem perspectivas de comprar algo – eletrodoméstico ou casa. Em seguida surge o desesperançoso, que vê a economia boa em modo geral, menos na vida pessoal. Na sequência aparece o confortável, que compreende que o período não está bom, mas acredita que o futuro será melhor.
Por fim, existem os otimistas que não perceberam a crise e enxergam a situação atual como boa e segura para manter as compras.
Um fator para todos eles mudarem a visão para pior, mas manter uma esperança de dias melhores foi o bom momento vivido em 2010. “Tivemos um auge de consumo após um período não tão bom no Brasil.
Isso impactou muito o que sentem agora, mas eles vão retomar a confiança assim que passar esse cenário de incertezas. Ainda não sabemos o que será da política brasileira. As classes C, D e E são as que mais sofrem e pararam de reclamar. Isso é um sinal de estabilização. Agora ele não quer correr riscos, mas o brasileiro é o que menos tem confiança no presente e mais confiança no futuro”, finaliza o Diretor-Geral de Pesquisa da Ipsos.
Assista ao hangout completo com Dorival Mata-Machado, Diretor Geral de Pesquisas da Ipsos Public Affairs, em entrevista à TV Mundo do Marketing.