Como acontece com diversos outros produtos financeiros, a cotação das
criptomoedas costuma variar de acordo com o noticiário sobre o setor. E
os últimos meses foram particularmente agitados no noticiário sobre
criptomoedas:
- Em
fevereiro, a empresa de carros elétricos Tesla anunciou que começaria a
aceitar pagamentos em bitcoin na venda de seus veículos. Mais do que
isso, o próprio balanço financeiro da empresa revelou que ela tinha US$
1,5 bilhão em bitcoins. Os anúncios levaram a uma alta de 14% na
criptomoeda, com a cotação atingindo US$ 44 mil.
- Em março, a
cotação da moeda ultrapassou a marca de US$ 59 mil com a notícia de que a
empresa de pagamentos PayPal passaria a permitir que consumidores
americanos usassem o bitcoin para pagar em diversas lojas no mundo que
aceitam PayPal. O anúncio original do projeto, feito em outubro do ano
passado, já havia provocado uma alta repentina na moeda na ocasião.
- No
mês de maio, no entanto, más notícias começaram a reverter a tendência
de alta do bitcoin. Primeiro, houve o recuo da Tesla na sua intenção de
aceitar criptomoedas para a compra de carros — provocando uma queda de
10% no valor do bitcoin. O fundador da Tesla citou a preocupação
ambiental como motivo pela decisão, já que o processo de mineração de
criptomoedas (que é a forma como elas são emitidas digitalmente) consome
energia demais.
- Em seguida, a moeda voltou a cair cerca de 10%
com autoridades chinesas proibindo bancos e firmas de pagamento de
fornecer serviços relacionados a transações de criptomoeda. A China
também alertou os investidores contra a negociação especulativa de
criptomoedas.
- Na semana passada, o Banco Central americano disse
que vai quer apertar o cerco contra empresas e milionários americanos
que usam criptomoedas para evitar de pagar impostos. As autoridades
estudam cobrar impostos em ativos de criptomoedas em carteiras avaliadas
em mais de 10 mil dólares — o que repercutiu negativamente entre
investidores em criptomoedas.
Na mesma semana, o novo diretor da
Comissão de Valores Mobiliários dos EUA, Gary Gensler, afirmou que é
preciso haver maior regulação em mercados de criptomoedas.Tuítes de Elon Musk, da Tesla, ajudaram a impulsionar e depois derrubar a cotação do bitcoin — Foto: Getty Images/Via BBC
O que está acontecendo com as criptomoedas?
Mais do que só o noticiário, as criptomoedas vêm enfrentando também uma
espécie de "crise de identidade" nos últimos anos que tem sido
determinante na volatilidade recente desses ativos.
Existe uma grande controvérsia nas comunidades tecnológica e financeira
sobre qual é o valor real das criptomoedas para a sociedade. Elas
seriam realmente uma inovação no sistema monetário internacional –
capazes de um dia suplantar as moedas tradicionais? Ou seriam apenas um
mecanismo de especulação sem valor intrínseco algum – e fadadas a
desaparecerem quando "a bolha estourar"?
Quando o bitcoin foi inventado em 2009, por uma pessoa misteriosa (ou
coletivo de pessoas, talvez) conhecida apenas como Satoshi Nakamoto,
acreditava-se que as criptomoedas poderiam ser uma espécie de futuro das
moedas e dos sistemas de pagamento.
As criptomoedas são sequências de dados criptografados com tecnologia
que possuem um valor de troca no mercado. Ao contrário de uma moeda
tradicional, como o dólar ou o real, a criptomoeda não é emitida por uma
autoridade centralizadora, como um Banco Central. Isso faz com que a
cotação da moeda não fique diretamente exposta à política monetária de
um país – que é geralmente determinada por fatores como o índice de
inflação ou o ritmo de crescimento econômico.
Sem uma entidade reguladora, o preço de uma moeda como o bitcoin é
formado pela oferta e demanda – além de outros fatores, como custo de
mineração (o processo para efetivação de transações em criptomoeda),
tentativas regulatórias por parte de governos e a existência de outras
criptomoedas concorrentes.
Entusiastas das criptomoedas acreditam que com o aperfeiçoamento da
tecnologia, elas vão bareatear o custo das transações financeiras
futuras e eventualmente eliminar uma série de intermediadores no
processo – como bancos, empresas de cartão de crédito e corretoras.
Além disso, pelo fato de o sistema ser descentralizado, ele seria em
tese imune à intervenção direta de governos, que podem cometer equívocos
nas suas políticas monetárias.
Quais são os problemas das criptomoedas?
As criptomoedas também têm muitos críticos. Alguns críticos dizem que a
promessa de inovação como tecnologia de pagamentos nunca foi cumprida.
"Já
sabemos há uns anos que bitcoin não funciona como um meio de pagamento
mainstream. Sua capacidade é muito baixa. Ele só consegue suportar cerca
de sete transações por segundo, o que é bastante imprestável para o
sistema global de transações. E quando as transações começam a aumentar
em volume e o preço sobe, as tarifas começam a ficar altas demais",
disse à BBC Frances Coppola, autora e especialista em criptomoedas.
Outro problema levantado é a altíssima pegada ambiental das
criptomoedas. O processo conhecido como mineração – usado para validar
transações em criptomoedas – consome quantidades enormes de energia
elétrica. Na mineração, diversos computadores do mundo concorrem para
resolver um problema matemático necessário para efetuar a transação
financeira. O dono do computador vencedor nessa disputa ganha uma
pequena parte em criptomoeda — que serve de incentivo financeiro para a
atividade.
No entanto, a grande maioria dos computadores envolvidos na tentativa
fracassa – consumindo enormes quantidades de energia elétrica que são
desperdiçadas do ponto de vista ambiental.
O Centro de Finanças Alternativas, um instituto de pesquisas da
Universidade de Cambridge (CCAF), calcula que o consumo total de energia
do bitcoin é de algo entre 40 e 445 terawatts-hora ao ano (TWh). A
estimativa mais baixa equivale a mais que toda a energia consumida pela
Argentina em um ano.
Outro problema é que as criptomoedas vêm atraindo mais pessoas devido
ao seu alto poder de especulação financeira do que por sua capacidade
inovadora como meio de pagamento. Em apenas cinco anos, o bitcoin
valorizou-se em 56 vezes. Uma estimativa afirma que quase 100 mil
americanos se tornaram "criptomilionários" por adquirirem as moedas –
mas esse número é difícil de ser confirmado de forma independente.
No começo, as criptomoedas eram restritas apenas a pessoas com algum
conhecimento em tecnologia – já que todo processo para aquisição de uma
moeda envolvia a criação de uma carteira especial para armazenar a chave
da moeda (que é usada pelo dono da moeda para acessar seu dinheiro).
Esse processo envolve certos riscos – como o de a pessoa perder a sua
chave ou ter seus dados roubados por um hacker.
Mas nos últimos anos as criptomoedas ficaram muito mais fáceis de serem
adquiridas pelo público não especializado em informática, já que
passaram a ser oferecidas indiretamente como partes de produtos
financeiros em bancos e corretoras. Em vez de uma carteira para
criptomoedas, é preciso apenas ter uma conta comum em banco ou corretora
que ofereça esse produto.
Neste ano, em corretoras brasileiras, foram lançados fundos de
investimentos cujos recursos estão aplicados em criptomoedas (parte do
recurso investido nesses fundos ainda é atrelado em papéis do Tesouro
brasileiro, como forma de expor investidores apenas parcialmente à
flutuação das criptomoedas).
Em abril, a bolsa brasileira começou a negociar o primeiro ETF
(Exchange-traded fund) em criptomoedas, que é uma espécie de fundo de
investimento que funciona como se fosse uma ação. O lançamento foi
considerado um sucesso – e em poucos dias o ETF captou R$ 1 bilhão, se
tornando o terceiro maior ETF da bolsa brasileira.
Ou seja – é possível comprar e vender ativos cuja cotação acompanha a
das criptomoedas com uma simples operação de compra e venda na bolsa que
dura segundos. A volatilidade do ETF brasileiro de criptomoedas é
semelhante ao da cotação das criptomoedas – o preço do ETF já variou 56%
em apenas um mês de existência, permitindo ganhos (e perdas)
relativamente grande a investidores.
Outro problema que surge recentemente para os entusiastas das
criptomoedas é regulação – que praticamente inexiste hoje. Mas
autoridades reguladoras dos EUA e da China já sinalizaram que pretendem
criar leis e melhorar a tributação desta classe de ativos, o que pode
torná-los menos atraentes no futuro.
O que os especialistas pensam sobre o futuro das criptomoedas?
Mais de uma década desde a sua criação, o bitcoin continua dividindo
opiniões na comunidade financeira internacional. Não existe um consenso
sobre se a moeda vai realmente se estabelecer no futuro, ou se um dia a
"bolha vai estourar".
Mas alguns bancos tradicionais como Goldman Sachs e Morgan Stanley, que
no passado duvidaram das criptomoedas, recentemente abraçaram a nova
tecnologia e lançaram operações nesses ativos para seus clientes. Mas as
criptomoedas seguem sofrendo resistências de diversas outras vozes.
Na semana passada, novas vozes se levantaram contra o uso do bitcoin –
entre eles a do vice-presidente do Banco Central Europeu, Luis de
Guindos.
"Quando
você tem dificuldades para descobrir quais são os verdadeiros
fundamentos de um investimento, então o que você está fazendo não é um
investimento real", disse Guindos sobre criptomoedas, em entrevista.
"Este é um ativo com fundamentos muito fracos e que estará sujeito a
muita volatilidade."
No mesmo dia, o economista Paul Krugman, vencedor do Prêmio Nobel e
crítico de longa data das criptomoedas, escreveu: "Hoje em dia usamos o
bitcoin para comprar casas e carros, pagar nossas contas, fazer
investimentos comerciais e muito mais... Oh, espere. Nós não fazemos
nenhuma dessas coisas. Doze anos depois, as criptomoedas quase não
desempenham nenhum papel na atividade econômica normal".
"Já participei de várias reuniões com entusiastas da criptomoeda e/ou
blockchain (a tecnologia das criptomoedas). Nessas reuniões, eu e outras
pessoas sempre perguntamos, da maneira mais educada possível: 'Que
problema essa tecnologia resolve? O que ela faz que outras tecnologias,
muito mais baratas e fáceis de usar, não podem fazer tão bem ou melhor?'
Ainda não ouvi uma resposta clara. Mesmo assim, os investidores
continuam pagando grandes quantias por esses tokens digitais".
Também na semana passada, o diretor do Banco Central americano (Federal
Reserve), Jerome Powell, surpreendeu ao anunciar que o próprio órgão
acompanha de perto as criptomoedas e pode vir a adotar algum tipo de
tecnologia para lançar uma moeda digital própria.
Em março, ele havia criticado fortemente o bitcoin por não cumprir uma
das funções primordiais das moedas, que é a de servir como reserva de
valor. Powell disse então que o bitcoin se comporta hoje mais como um
substituto do ouro do que do dólar – servindo mais como mecanismo de
especulação do que para reserva de valor.
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