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sexta-feira, 19 de junho de 2015

“Marcas ainda são feitas para pessoas em vez de se moverem entre elas”


"Especialista em branding de Standford, Edward Leaman aponta para uma nova era, em que as promessas de marca partem dos usuários e não mais da companhia."



*-.:.-* Por Renata Leite, do Mundo do Marketing | 19/06/2015



O futuro do mundo dos negócios reserva uma série de desafios para as marcas, que terão que empreender esforços extras para estabelecer relacionamentos com os consumidores. Após um período de alta vigilância e baixíssima privacidade, uma nova onda se aproxima. 

Nela, as pessoas não estarão mais dispostas a ceder seus dados às companhias a não ser que esse seja o desejo delas e haja expressa autorização para uso das informações. E a própria tecnologia, que expôs os dados de todos praticamente sem limitações, será a responsável por reempoderar os usuários nesse processo, segundo previsão do especialista em inovação Edward Leaman.

O professor de Standford, universidade norte-americana, esteve no Brasil trazido pela Wish International Events Management para uma série de palestras e conversou com o Mundo do Marketing sobre as tendências que emergem no Marketing, o empoderamento do consumidor e a mudança na filosofia que deve guiar as marcas nos próximos anos. 

O especialista ressalta que já não importa o que uma empresa fala de si mesma, mas sim o que as pessoas dizem sobre ela. É dos usuários que nasce a promessa de uma marca na nova cultura centrada no consumidor.

Mundo do Marketing: O senhor começou sua carreira na indústria da moda, que tradicionalmente lança tendências. Qual a sua percepção sobre o que está por vir no mundo dos negócios nos próximos anos?
Edward Leaman: A moda é uma das linguagens em que as tendências são mais facilmente compreendidas. Vejo que a tecnologia será muito importante. Já é, mas a próxima onda da tecnologia, que está emergindo na Califórnia, em Standford, naquela área do Vale do Silício, refere-se a uma limitação da vigilância. 

Há muita preocupação em torno do cerceamento da privacidade pela tecnologia, mas será ela própria a solução para que as pessoas não precisem ceder muita informação a seu respeito para os demais. Essa é uma onda muito interessante. Os usuários terão a autonomia de dar permissão sobre quando seus dados podem ser apreendidos ou não. 

Há dois mundos para os negócios: o do domínio das transações e o da conquista do relacionamento. Neste novo momento, as pessoas querem realizar transações com as marcas, mas nem sempre desejam estabelecer um relacionamento com elas, ao menos até decidirem e o autorizarem.

Mundo do Marketing: O que muda para as marcas?
Edward Leaman: Isso exige que as marcas provem que o relacionamento que constroem com as pessoas é significativo, em vez de simplesmente roubarem dados e depois enviarem um monte de ofertas e coisas que pensam que o consumidor deseja. É tudo sobre um relacionamento com significado. 

Estamos no começo da era em que a ideia de significado ou de cuidado se torna muito importante. Estamos vendo, nos Estados Unidos, a importância do que chamamos de impacto social, em que as marcas devem ser vistas e sentidas como parte da comunidade e não apenas um agente que ganha dinheiro dela. É preciso devolver algo para as pessoas.

Mundo do Marketing: As marcas estão prontas para essa nova onda?
Edward Leaman: Sim. Estive pessoalmente com negócios do Vale do Silício e empreendedores que estão realmente explorando essa ideia de vigilância limitada em tecnologia. A ideia de transparência nas transações pode parecer contraditória, mas não é. 

Um dos exemplos seria o de uma pessoa que está doando dinheiro para uma instituição sem fins lucrativos e pode ver como esses recursos estão sendo usados, de modo transparente, sem haver nada escondido.

Existem esses dois mundos: o da vigilância limitada, em que você não quer mostrar nada até autorizar; e o da exigência, em outras áreas, por transparência, por meio da qual o consumidor e o usuário possam ver todo o uso do dinheiro gasto ali. 

Tudo isso faz parte de uma cultura centrada no usuário. As marcas precisam orbitar os consumidores e não a companhia. Elas são propriedade das corporações, mas devem ser construídas em torno do usuário.

Mundo do Marketing: Vemos cada vez mais marcas abraçando causas, mas essa estratégia tem o efeito colateral de desagradar parte das pessoas. Vimos recentemente isso acontecer com O Boticário, que mostrou casais homossexuais em um comercial. Como lidar com isso?
Edward Leaman: Uma marca tem a ver com coragem e valores. É claro que há considerações financeiras para serem feitas, mas, fundamentalmente, uma empresa precisa ter coragem de colocar seus valores, suas crenças e sua filosofia diante dos consumidores. 

Nem todo mundo gostará sempre, mas as marcas precisam defender algo, devem ter impacto social. As pessoas olham para as empresas para mudar as suas vidas. Historicamente, elas se miravam na Igreja ou em outras religiões organizadas e no governo, mas, hoje, a maioria se volta para os negócios para tornar seu entorno um lugar melhor.

Mundo do Marketing: As redes sociais deram força à voz dos consumidores, o que assusta muitas marcas. Elas devem mesmo ficar preocupadas com as críticas que ocorrem na internet?
Edward Leaman: Ao mesmo tempo em que as marcas devem ter coragem, elas precisam ser inteligentes também. Devem ter consciência para entender as consequências intencionais e não intencionais do que será dito e feito e precisam estar preparadas para reagir. 

O mais importante é a forma como a companhia responde as críticas, como lida com elas. É a forma de ouvir e interagir com seus usuários que fará a diferença, porque essa resposta pode reverter uma reação negativa em algo positivo. Quando isso é alcançado, a lealdade à marca torna-se extremamente alta.

Mundo do Marketing: As críticas na web podem efetivamente impactar as vendas?
Edward Leaman: Se a marca não age corretamente, podem. Mas, no fim do dia, o consumidor perdoa a empresa se o básico funciona bem, se o produto é bom, se a experiência de uso é fantástica, ou seja, quando há mais pontos positivos do que negativos na história da companhia. 

As vendas podem ser impactadas em curto prazo, mas não em longo prazo. O que é importante é ter coragem. Trabalho com a Body Shop, que defende os direitos humanos e dos animais. Nem todo mundo concorda com as causas, mas a marca se tornou global justamente por não sacrificar seus valores e suas crenças.

Mundo do Marketing: Outro desafio para as marcas surge em processos de fusões e aquisições. Recentemente duas marcas fortes tiveram seu fim anunciado após essas transações: GVT e Bomnegocio.com. 

As duas eram marcas fortes e desaparecem após uma série de investimentos em branding, surpreendendo até profissionais que atuam neste mercado e consumidores. O que deveria guiar essas decisões?

Edward Leaman: Dois mundos interferem nessa decisão. Um é o do poder, que é guiado pelo lado do dinheiro, e o outro é o do significado, que trata do que os consumidores estão cada vez procurando mais. As decisões nos negócios são comumente tomadas sem considerar o lado do branding, porque ele não tem um sentido financeiro. 

Isso leva a decisões acertadas? Nem sempre. Acredito que estamos caminhando para um cenário composto por marcas mais conscientes da tomada de decisão, diante do entendimento de que os consumidores estão assumindo o poder. 

É para onde o mundo está indo, mas não necessariamente onde está hoje. Esta não é uma era fácil, porque o executivo do financeiro continua sempre perguntando: o que o branding está dando de valor extra para a empresa?

Mundo do Marketing: E esse valor é mensurável?
Edward Leaman: Sim, o valor da marca é mensurável, mas não aqui no Brasil ainda. Nos Estados Unidos, já medimos a lealdade dos clientes e a satisfação deles de forma consistente. 

E há evidências de como essa lealdade impacta em margens de lucro maiores se comparado com os concorrentes. O Brasil ainda está no estágio em que marcas são feitas para pessoas em vez de se moverem entre elas. No novo momento, interessa mais o que os usuários falam sobre as companhias do que aquilo que elas falam sobre si mesmas.

Esse é o conceito da cultura centrada no consumidor, que também é chamada de momento zero da verdade. Nele, a promessa da marca é decidida antes de a corporação prometer qualquer coisa. A promessa é construída por meio do discurso e das avaliações dos usuários. 

São eles que criam as promessas para outras pessoas. Minha definição de marca é: uma promessa entregue e medida. É preciso ter uma promessa visionária, uma entrega extraordinária e uma mensuração consistente.