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quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Storytelling como ponto de sustentação de uma marca



Empresas valorizam suas trajetórias para fortalecer significados e engajar públicos de modo consistente e afetivo.



Não são poucas as grandes marcas erguidas a partir de uma história repleta de alternâncias, quebras, reviravoltas e personagens sensacionais. Cada episódio, ao longo do tempo, une-se a outras etapas e tece uma narrativa que dá forma ao significado de um empreendimento perante sua época. E, assim, uma organização torna-se mais consciente a respeito do seu propósito e, também, sua relevância social.

O renomado pensador Gary Hamel, reconhecido por sua longa parceria com o indiano C.K. Prahalad, afirma no livro O Futuro da Administração que o único ponto de sustentação de uma empresa é sua narrativa. Sem um significado norteador, segundo ele, qualquer organização perde o rumo sob a mínima turbulência.

Se considerarmos a marca como principal ativo de uma corporação, cuja força é diretamente proporcional à relevância do seu significado, é necessário considerar sua narrativa como ponto fundamental na construção da sua personalidade. Porém, tal história deve ser contada diariamente junto a todos os pontos de contato por meio de experiências que comprovam, na prática, a promessa simbolizada pela cultura edificada até o presente.

Ao propagar histórias que confirmam seu significado, uma marca fortalece vínculos, gera um ambiente de engajamento afetivo e despe-se das frias amarras corporativas que ainda teimam em padronizar o mercado. Quando uma marca alcança um alto nível de autenticidade, maior é o seu valor percebido e, assim, ela ganha em preferência, lealdade, confiança e recomendação. A crença em um significado envolve e cria resultados financeiros ao ser exercitada constantemente.

O conceito

No livro Brand Through Storytelling, os autores Klaus Fog, Christian Budtz, Philip Munch e Stephen Blanchette afirmam que uma marca é construída sobre uma promessa cujos efeitos desdobram-se não apenas externamente, como também na consolidação interna de um ambiente cultural coeso e capaz de entregar experiências condizentes com o significado balizador da empresa. “A mensagem contida em uma história ressoa fortemente através da organização, dando aos colaboradores uma ideia muito clara sobre os valores da marca, mostrando aos públicos exatamente qual a promessa contida no coração da companhia”, afirmam.

Ao criar uma cultura, a narrativa de marca expõe a dimensão emocional da empresa e leva seus relacionamentos para um nível além das meras transações comerciais. Neste sentido, promove um intercâmbio de crenças, objetivos e valores junto a toda a rede de públicos, em um fluxo de mão dupla que comunica muito mais que vantagens meramente funcionais. E, na opinião dos escritores, seguir esta trilha é praticamente inexorável: “tempos difíceis esperam por companhias que fecham os olhos para as dimensões mais emocionais e profundas de suas marcas e continuam a competir somente quanto ao preço e produtos”.

O teórico Laurence Vincent, autor do livro Marcas Legendárias, explica a relação entre o “contar histórias” e os fundamentos da mitologia em argumentos que criam um paralelismo entre a trajetória de arquétipos e a construção de significados. Assim como os autores de Brand Through Storytelling, defende a tese da criação de vínculos a partir de uma narrativa autêntica. Como exemplo, cita a venda, em 1981, da Harley-Davidson, episódio no qual os compradores, em um primeiro momento, desejaram alterar o estilo das motocicletas para torná-las mais sincrônicas com os padrões vigentes à época. Neste movimento, preferiram seguir tendências e desprezar toda a história daquela mítica companhia, que, até aquele instante, desfrutava de um sólido conjunto de crenças expressas na forma de uma clara e envolvente linguagem de negócios. Rapidamente, os fiéis consumidores que constituíam a comunidade daquela marca reivindicou a manutenção de suas tradições e, felizmente, tiveram sucesso.

Em busca de atenção

A professora de marketing e gestão de inovação da ESPM, Martha Terenzzo, afirma que a emergência do storytelling como potencializador de uma marca não é propriamente uma novidade, embora tenha sua importância reconhecida com maior ênfase. Para ela, este movimento deriva de uma “proliferação de marcas que buscam a atenção das pessoas, o que requer a construção de uma boa narrativa”. Segundo Martha, as empresas passaram a utilizar este recurso como via de conexão com seus interlocutores, sejam eles consumidores ou “evangelistas”.


Em sua visão, a base para a narrativa de uma marca está na construção de sua própria trajetória, que resulta em uma reputação concernente a este encadeamento de etapas e gerações. A professora cita como exemplo desta dinâmica a evolução da norte-americana IBM, que se tornou, recentemente, uma empresa centenária após sobreviver ao menos a duas quebras, atravessar crises gigantescas e, mesmo assim, soube adaptar-se e reinventar-se. “Ao inovar no seu modelo de negócios, há uma narrativa de pessoas, conflitos, derrotas e sucessos.

A vida como ela é. As pessoas se aproximam desta autenticidade. Pequenas e médias empresas podem usar o modelo para melhorar sua comunicação interna e externa por meio da sua própria história de construção”, diz.
Histórias são feitas de atitudes.

Uma vez que a trajetória de uma marca demonstra e faz a força do seu significado perante as pessoas, envolve-as afetivamente em uma cultura moldada dentro e fora da empresa e permite que ela prossiga apesar das crises, as atitudes surgem como meios fundamentais neste processo construtivo.

Para Martha Terenzzo, não há uma regra no desenho de uma narrativa, mas alguns pré-requisitos indispensáveis: “a marca deve ser crível, próxima do real (mesmo que simbólica), com personagens que problematizem uma questão e ofereçam uma solução que cause interesse nas pessoas. Mas, acima de tudo, ressalto a autenticidade. Marcas precisam, de fato, cumprir o que discursam. Com o poder das redes sociais, é muito fácil uma história ruim ser desvendada, e corroer a imagem de uma empresa”.

Um dos exemplos mais recentes foi conduzido pela Coca-Cola, largamente reconhecida pela tradição que embasa a força de sua marca. De acordo com matéria veiculada no Mundo do Marketing, a empresa, que completa 125 anos, celebra a data por meio do projeto Coletivo, que leva ao público, por meio da embalagem de seus produtos, histórias reais dos beneficiários de programas socioambientais da companhia com o objetivo de qualificar a relação junto aos consumidores.

Neste contexto, atitudes consistentes derivam do significado de uma marca e comprovam, de maneira concreta, suas crenças, propósito e valores – ou seja, sua visão de mundo. E o contar histórias está localizado em diferentes dimensões desta prática: na comunicação de uma causa, no caminho trilhado por um beneficiário de um programa socioambiental, no envolvimento de fornecedores, no engajamento do público interno, entre outras possíveis ações transformadoras passíveis de serem conduzidas por uma marca junto a sua rede de relacionamentos. Desta forma, consolidam-se como autênticas e transparentes, atributos cada vez mais requisitados, sobretudo, em um mercado em franca maturação como o brasileiro.

Marcas possuem um significado a ser propagado em todas suas experiências e não só na comunicação ou nos pontos de venda. Por essa razão, as atitudes apresentam-se como fundamentais ao extrapolarem as relações de consumo e entregarem suas promessas por meio de narrativas verdadeiras e a partir de uma identidade também construída historicamente. Como resultado, intensifica-se o envolvimento dos públicos e cria-se um ambiente pautado por laços fortes, ou seja, um engajamento difícil de ser rompido.
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Por Leticia Born. Esta reportagem foi publicada originalmente no portal Com:Atitude, da Edelman Significa, e agora no Mundo do Marketing de acordo com parceria que os dois portais mantêm.