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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Sua marca está disposta a sacrificar o lucro? O consumidor espera isso


"População deseja um mundo melhor, mas espera que as empresas se movam para isso acontecer. Parte do mercado já assume responsabilidade em prol de um bem maior."



** Por Priscilla Oliveira, do Mundo do Marketing | 26/02/2015



As dificuldades de um ano economicamente instável trazem muitas preocupações para as empresas. 

No Brasil, 2015 chegou com ameaças aos planejamentos, mas, ao mesmo tempo, exigindo criatividade das companhias, que não podem deixar escapar oportunidades de se reinventarem. Algumas dessas possibilidades de transformação podem ser encontradas na maneira como a marca enxerga sua missão e o consumidor. 

Ao entender que o cliente é o centro das ações, as estratégias passam a focar no que eles esperam e buscam, mesmo que a companhia tenha que sacrificar algo em prol deles.
Os consumidores cada vez exigem uma postura mais ativa das empresas, que precisam verificar os “efeitos colaterais” de seus produtos ou serviços, seja para o meio ambiente ou para a sociedade. 

O conceito de “guilt-free consumption” trata do desejo das pessoas de não sentirem culpa pelo que eles compram. Como consequência surge uma nova inspiração, nomeada de “Brand Sacrifice”, que faz com que as marcas abram mão de algo que as favorece para atender a necessidades maiores que o lucro.

Mudar algo que já está dando certo e arriscar perdas financeiras pode parecer distante da realidade das áreas de Marketing, mas esse é um processo inovador que evitará possíveis desgastes no futuro. 

“A ideia de indulgência já é algo infiltrado na sociedade do consumo, mas esses clientes esperam que as marcas façam concessões para que eles continuem seus hábitos de compra com menos culpa. 

É preciso verificar diversos níveis de produção e saber se eles estão, de fato, alinhados com a missão da empresa”, conta Luciana Stein, Diretora para Américas do Sul & Central da Trendwatching, em entrevista ao Mundo do Marketing.

Reposicionamento
Existem dois caminhos que uma empresa seguirá até que ela decida mudar seus processos. O primeiro é o da antecipação, que passa pelo estudo de cada detalhe da produção, desde a matéria-prima até a forma como ele chega ao público final. 


Entender quem são os fornecedores e como eles atuam também é uma maneira de trabalhar de forma completa e alinhada a posturas de benefícios aos consumidores, sociedade e planeta. 

Muito mais do que uma tendência avassaladora e que pode durar pelos próximos 20 anos, o Brand Sacrifice é algo que já é adotado por poucas e grandes companhias. A atitude é um caminho que abre possibilidade para inovação e pode inspirar outros empresários – independentemente do porte da empresa – a replicarem de alguma maneira e se destacarem. 

“Na crise de 2009, os empresários dos Estados Unidos conseguiram sobreviver com criatividade. A aposta da inovação é algo para diferenciar e sair da crise. O sacrifício significa um corte na própria carne. A questão não é lucratividade e, sim, posicionamento e valores”, conta Luciana Stein.

Globalmente ainda é raro encontrar casos de marcas que adotaram alguma postura de sacrifício e há ainda aquelas que omitem a informação de que abnegaram de algo. No Brasil e em toda a América Latina, ainda não ouviu-se falar em uma situação em que a empresa tenha assumido perdas após beneficiar o consumidor ou a natureza. 

“Como não é uma tendência massiva de mercado, são poucas as que estão alinhadas com esse propósito. E as que fazem e são corajosas, querem se vangloria, usando como diferencial de Marketing. 

É preciso alertar que essas forças emergentes estão confrontando as marcas no seu posicionamento tradicional, que é a lucratividade acima de tudo”, afirma a Diretora para Américas do Sul & Central da Trendwatching.
Existem três níveis de consequências que as empresas podem investigar e trabalhar.

Dimensão Selfie
A cultura selfie faz com que o consumidor olhe cada vez mais para si e para o que as empresas podem oferecer em seu benefício. Em vez de mudarem sua rotina para encontrarem alternativas que fazem bem ao corpo, eles querem que os empresários façam isso por eles. 


“O que existe por trás do Brand Sacrifice é um consumidor dividido entre fazer o bem, como comprar algo que não agrida a si ou ao planeta, e manter o consumo excessivo a que esteve acostumado nos últimos anos”, diz Luciana Stein.

Em setembro de 2014, a rede de drogarias americana CVS deixou de vender em todas as suas lojas produtos relacionados ao tabaco. A decisão prevê uma perda de cerca de US$ 2 bilhões em receita anual. A companhia especializada em saúde entendeu que associar a indústria do fumo ao seu negócio gerava um conflito. 

A empresa também lançou uma campanha de combate ao cigarro nas redes sociais chamada #OneGoodReason e rebatizou sua entidade corporativa como CVS Saúde.
Já a Tesco optou por remover as caixas de doces dos corredores de check out. 

A iniciativa começou em maio de 2014, a fim de ajudar os clientes a escolherem opções mais saudáveis para suas vidas. Uma pesquisa feita pelo supermercado do Reino Unido mostrou que 65% dos compradores sentiram que a mudança das guloseimas para outros espaços da loja iria encorajá-los a ter um estilo de vida mais leve.

O Subway anunciou a retirada do composto azodicarbonamide de seus produtos de panificação nos Estados Unidos, depois de uma petição de um consumidor que levantou mais de 60.000 assinaturas em uma semana. 

O produto químico, que prolonga a vida de prateleira de pão, é aprovado por organizações do país, mas não é permitido para ser usado em produtos alimentares na Europa ou na Austrália. Os críticos alegavam que a substância é convertida em efeitos cancerígenos quando cozida.

Dimensão Sociedade
Olhar questões sociais e políticas demonstra um interesse em uma causa maior. A atuação em conflitos ou a utilização de mão de obra escrava – mesmo que na cadeia de fornecedores – já não são práticas aceitas pelos consumidores. 


A origem das ofertas e todo o processo de produção estão em foco. “O mercado já sabe que é preciso ter ações que correspondam ao seu próprio valor e atuar com responsabilidade social e ambiental. Não adianta haver valores interessantes e não alinhar eles à prática”, conta Luciana Stein.

Em janeiro de 2014, a empresa multinacional de tecnologia Intel parou de usar materiais oriundos de zonas de conflito para construir seus microprocessadores. Os minerais como o ouro e tungstênio são frequentemente extraídos em países afetados por guerras e violações dos direitos humanos, como a República Democrática do Congo. 

A fabricante de chips teve que mudar seus fornecedores para acompanhar a sua missão e encontrar materiais em locais livres de situações desumanas.
Já a cervejaria Guiness também deixou de lucrar ao desistir de apoiar o desfile do Dia de St. Patrick, em 2014. 

O motivo foi a exclusão do público LGBT do evento, parcela da população que foi proibida de transportar sinais gay-friendly na marcha. A marca tentou negociar para reverter a política de exclusão, mas não conseguiu uma resposta favorável. Em setembro do mesmo ano, os organizadores da parada anunciaram que um grupo LGBT seria autorizado a caminhar sob sua própria bandeira no desfile de março de 2015.

Tim Cook, CEO da Apple, publicou uma carta aberta aos clientes sobre o compromisso da empresa com a privacidade, após controvérsia pública sobre supostas violações de segurança de dados de clientes. O documento declarava que a empresa não construiu um perfil baseado em seu conteúdo de e-mail ou navegação na web e hábitos para vender aos anunciantes. 

A companhia assumiu não rentabilizar a informação armazenada no iPhone ou no iCloud, alfinetando de forma indireta a concorrente Google – que deriva muito de sua receita de publicidade com base em dados de consumo.

Dimensão Planeta
As causas mais amplas também passam a receber atenção das marcas, a ponto de justificarem sacrifícios. “Não existe mais isso de faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. As pessoas cobram uma postura e cobram mudanças.


É preciso que isso aconteça na prática. Dentro da América Latina, vemos muitas empresas grandes conseguirem colocar a responsabilidade em um nível estratégico, incluindo-a em todas as ações. No Brasil, existem poucas empresas que resolveram se antecipar ao mercado e investir nisso”, afirma Luciana.

A fabricante Tesla abriu mão da abertura de processos relacionados a patentes contra qualquer um que usa sua tecnologia de boa-fé. A empresa afirmou que, dado o tamanho incrivelmente pequeno do mercado de carros elétricos em relação ao automotivo global e da urgência da crise de carbono, haveria um benefício geral para a humanidade em fazer sua tecnologia disponível. 

A preocupação com o meio ambiente se sobrepôs a algum receio de uso pelos potenciais concorrentes.
Em maio de 2014, agência de viagens de estudantes STA Travel parou de vender pacotes de viagens para destinos associados ao tratamento antiético com os animais, em mais um exemplo deste movimento. 

A proibição incluiu, inicialmente, todos os parques temáticos SeaWorld e passeios de elefante no templo Tiger, na Tailândia. As novas regras foram implantadas seguindo os conselhos de Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais (PETA). A empresa do Reino Unido também se comprometeu com uma estratégia mais ampla para promover o turismo responsável em todo o mundo.

Ainda no quesito de proteção animal, alguns varejistas globais da moda suspenderam o estoque e o abastecimento de produtos de lã angorá, após alegações de que os fornecedores na China maltratavam os coelhos durante a produção. Mais de 30 marcas, incluindo a H&M, Forever 21 e Topshop se comprometeram a não utilizar mais a matéria-prima.

Ao sacrificar algo a empresa precisa primeiro examinar a comunidade de relações em que o produto faz parte e quem são esses fornecedores de matéria-prima. Os parceiros devem estar alinhados ao valor da empresa, ao mesmo tempo que ela própria precisa seguir os princípios da ética humana. 

“O produto passa a ser o centro das relações. É preciso rever esse relacionamento, porque a empresa pode ter outros players associados que causem impacto negativo”, afirma a Diretora para Américas do Sul & Central da Trendwatching.

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