"Marca passa a ser constituída a partir da experiência das pessoas com ela - e não por si mesma, numa sociedade em rede que derruba hierarquias e discursos centralizadores."
A revolução tecnológica está transformando uma sociedade linear, cartesiana, mecanicista e funcional, inspirada nas máquinas que proporcionaram a Revolução Industrial, em uma sociedade randômica, criativa e orgânica.
A conectividade promovida pelo mundo digital faz com que as relações aconteçam em rede, derruba hierarquias e põe o modelo centralizado de liderança em xeque. Os reflexos são sentidos não apenas na horizontalização das funções dentro das empresas, mas até em seus logotipos, que precisam dialogar com consumidores e funcionários empoderados.
No passado, as marcas eram representadas por grafismos monolíticos, sólidos e estáticos, que traduziam o peso das organizações. O desafio atual é justamente abrir mão do discurso centralizador de poder para permitir ao consumidor se apropriar dessa representação. O jovem conceito de User Experience (UX) Branding prevê uma marca constituída a partir da experiência das pessoas com ela - e não por si mesma.
Aos poucos, as companhias começam a enxergar as oportunidades de abrir esse canal de interação com o público. “Algumas empresas começaram adotando o conceito que eu chamo de marca fluida, em que o logotipo assume formas variadas de acordo com o contexto em que está inserido, como o Nickelodeon e a Oi.
Nestes exemplos, no entanto, os consumidores ainda não podiam interagir com a representação. O que vemos agora são marcas abertas, que permitem às pessoas se apropriarem delas. É o caso do logotipo que criamos para o aniversário de 450 anos do Rio”, diz Ricardo Leite, Sócio e Diretor de Criação da Crama Design Estratégico, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Apropriação da marca
O desafio de desenvolver uma imagem capaz de representar a todos os 6,5 milhões de moradores da cidade conduziu a equipe do escritório carioca até a solução ganhadora do concurso promovido pela prefeitura.
Nela, os algarismos que compõem a efeméride que será comemorada em 2015 formam um rosto estilizado. A partir daí, as pessoas são convidadas a intervirem, criando figuras únicas e próprias. A ideia é que a marca possa ser utilizada livremente por todos, inclusive pelas empresas.
Essa apropriação já pode ser notada em diferentes pontos da cidade, como na fachada do Shopping Rio Sul, em Botafogo, Zona Sul do Rio, e até nas barracas de artesanato na Feira Hippie, em Ipanema. Bolsas vendidas no comércio de rua passaram a ter, entre suas estampas, a marca comemorativa estilizada com fuxicos e bordados.
Já o centro comercial instalou um painel de 600 metros quadrados em que ícones da cidade, como os Arcos da Lapa, o Pão de Açúcar e a Pedra da Gávea, representam o cabelo no rosto formado a partir dos números. O grafismo dará origem também a mobiliários urbanos, como bancos de praça e brinquedos infantis.
A forma geométrica do logotipo é fácil de ser replicada, o que potencializa a sua customização e, consequentemente, o engajamento com ele. “Assim como os produtos começaram a ser construídos coletivamente, com o crowdsourcing, a tendência é que as marcas sigam o mesmo caminho.
As pessoas querem ter voz, participar. Daí, as redes sociais darem tão certo. Buscamos focar na relação do carioca com a cidade e no jeito dele de ser. Chegamos a uma solução única, porém múltipla; assim como a carioquice, que é singular e plural”, resume Ricardo Leite.
Storytelling narrado pelo usuário
A utilização do conceito por trás da marca dos 450 anos do Rio não é único. O Airbnb aplicou o UX Branding ao lançar o Bélo em julho. O novo logo da empresa busca transmitir, por meio desta apropriação, a sensação de pertencimento.
A marca da rede de hospedagem ancorada no compartilhamento já estava nas mãos dos usuários desde suas origens, já que são os anfitriões que promovem a experiência prometida pela companhia. O storytelling também é narrado pelos hóspedes do serviço, que relatam no site o que viveram na viagem.
A principal recompensa oferecida pelo Airbnb é pessoal e não financeira. “Criamos a página create.airbnb para cada um customizar sua marca, fazendo menção a alguma experiência que tivesse vivido com a empresa. O usuário escolhe formato, cor e textura, além de poder subir uma imagem.
Em um mês, tivemos cerca de 20 mil logos diferentes geradas. Clicando nela, descobre-se a história por trás de cada uma delas, o que aponta para peculiaridades das viagens. Elas são únicas.
Outros meios de hospedagem podem ter como valor o fato de serem iguais em qualquer parte do mundo, mas em nosso caso o valor está na diversidade”, diz Samuel Soares, Gerente de Marketing do Airbnb, em entrevista ao Mundo do Marketing.
A nova marca não ficou apenas no site e no material de divulgação. O Bélo está em chaveiros, camisetas, bolsas e outros produtos, que levados pelos usuários do serviço também proporcionam o sentimento de perecimento a uma comunidade.
O item é feito com base no logo criado individualmente por cada um dos anfitriões. A produção é realizada em San Francisco, mas o Brasil - quarto maior mercado da empresa - foi um dos países que mais encomendou a novidade.
Estranhamento revertido pela comunicação
Sair na frente em uma tendência tem seus desafios, especialmente num conceito que pressupõe significados construídos pelo uso.
Os novos logos que seguem o UX Branding podem parecer enigmáticos num primeiro momento, mas esse estranhamento inicial é transformado por meio da comunicação posterior à apresentação da solução. O Airbnb, por exemplo, criou um vídeo em que apresenta o que está por trás das linhas que parecem um coração de cabeça para baixo ou mesmo o “A” do nome da empresa.
Mesmo assim, com a cultura do “troll” típica da era digital, o logotipo não passou incólume aos usuários. Muitos completaram o desenho para fazer piada, mas isso faz parte do jogo, quando se chama as pessoas a participarem. “Encaramos com bom-humor e fizemos até um report dos casos mais engraçados.
Abrimos espaço para a criatividade. Teve gente que não entendeu, que não gostou, mas, colocando na balança, não podíamos estar mais felizes. O novo logo abriu um leque de oportunidades. Muitas imagens foram compartilhadas no Instagram e em outras redes sociais, com a marca desenhada na areia de uma praia e até em um bolo de aniversário”, conta Samuel Soares.
Mais cases
O Myspace já havia inovado em seu logo em 2010, com a palavra “my”, na tipologia Helvetica, e um símbolo delineando um espaço em branco, que pode ser preenchido pelo usuário da forma que lhe convier. A solução pioneira partiu de uma companhia que, na época, já contava com um Vice-Presidente de User Experience.
A Ocad University desenvolveu uma solução com a mesma ideia, deixando uma área para intervenção dos funcionários e alunos. Assim, os cartões de trabalho, por exemplo, passaram a ganhar um incentivo à customização.
A construção coletiva de marcas, até o momento, alcança, portanto, companhias de educação, de tecnologia e sociais, mas ainda não chegou às corporações mais tradicionais, como as de bens de consumo. A semente está plantada.
A conectividade promovida pelo mundo digital faz com que as relações aconteçam em rede, derruba hierarquias e põe o modelo centralizado de liderança em xeque. Os reflexos são sentidos não apenas na horizontalização das funções dentro das empresas, mas até em seus logotipos, que precisam dialogar com consumidores e funcionários empoderados.
No passado, as marcas eram representadas por grafismos monolíticos, sólidos e estáticos, que traduziam o peso das organizações. O desafio atual é justamente abrir mão do discurso centralizador de poder para permitir ao consumidor se apropriar dessa representação. O jovem conceito de User Experience (UX) Branding prevê uma marca constituída a partir da experiência das pessoas com ela - e não por si mesma.
Aos poucos, as companhias começam a enxergar as oportunidades de abrir esse canal de interação com o público. “Algumas empresas começaram adotando o conceito que eu chamo de marca fluida, em que o logotipo assume formas variadas de acordo com o contexto em que está inserido, como o Nickelodeon e a Oi.
Nestes exemplos, no entanto, os consumidores ainda não podiam interagir com a representação. O que vemos agora são marcas abertas, que permitem às pessoas se apropriarem delas. É o caso do logotipo que criamos para o aniversário de 450 anos do Rio”, diz Ricardo Leite, Sócio e Diretor de Criação da Crama Design Estratégico, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Apropriação da marca
O desafio de desenvolver uma imagem capaz de representar a todos os 6,5 milhões de moradores da cidade conduziu a equipe do escritório carioca até a solução ganhadora do concurso promovido pela prefeitura.
Nela, os algarismos que compõem a efeméride que será comemorada em 2015 formam um rosto estilizado. A partir daí, as pessoas são convidadas a intervirem, criando figuras únicas e próprias. A ideia é que a marca possa ser utilizada livremente por todos, inclusive pelas empresas.
Essa apropriação já pode ser notada em diferentes pontos da cidade, como na fachada do Shopping Rio Sul, em Botafogo, Zona Sul do Rio, e até nas barracas de artesanato na Feira Hippie, em Ipanema. Bolsas vendidas no comércio de rua passaram a ter, entre suas estampas, a marca comemorativa estilizada com fuxicos e bordados.
Já o centro comercial instalou um painel de 600 metros quadrados em que ícones da cidade, como os Arcos da Lapa, o Pão de Açúcar e a Pedra da Gávea, representam o cabelo no rosto formado a partir dos números. O grafismo dará origem também a mobiliários urbanos, como bancos de praça e brinquedos infantis.
A forma geométrica do logotipo é fácil de ser replicada, o que potencializa a sua customização e, consequentemente, o engajamento com ele. “Assim como os produtos começaram a ser construídos coletivamente, com o crowdsourcing, a tendência é que as marcas sigam o mesmo caminho.
As pessoas querem ter voz, participar. Daí, as redes sociais darem tão certo. Buscamos focar na relação do carioca com a cidade e no jeito dele de ser. Chegamos a uma solução única, porém múltipla; assim como a carioquice, que é singular e plural”, resume Ricardo Leite.
Storytelling narrado pelo usuário
A utilização do conceito por trás da marca dos 450 anos do Rio não é único. O Airbnb aplicou o UX Branding ao lançar o Bélo em julho. O novo logo da empresa busca transmitir, por meio desta apropriação, a sensação de pertencimento.
A marca da rede de hospedagem ancorada no compartilhamento já estava nas mãos dos usuários desde suas origens, já que são os anfitriões que promovem a experiência prometida pela companhia. O storytelling também é narrado pelos hóspedes do serviço, que relatam no site o que viveram na viagem.
A principal recompensa oferecida pelo Airbnb é pessoal e não financeira. “Criamos a página create.airbnb para cada um customizar sua marca, fazendo menção a alguma experiência que tivesse vivido com a empresa. O usuário escolhe formato, cor e textura, além de poder subir uma imagem.
Em um mês, tivemos cerca de 20 mil logos diferentes geradas. Clicando nela, descobre-se a história por trás de cada uma delas, o que aponta para peculiaridades das viagens. Elas são únicas.
Outros meios de hospedagem podem ter como valor o fato de serem iguais em qualquer parte do mundo, mas em nosso caso o valor está na diversidade”, diz Samuel Soares, Gerente de Marketing do Airbnb, em entrevista ao Mundo do Marketing.
A nova marca não ficou apenas no site e no material de divulgação. O Bélo está em chaveiros, camisetas, bolsas e outros produtos, que levados pelos usuários do serviço também proporcionam o sentimento de perecimento a uma comunidade.
O item é feito com base no logo criado individualmente por cada um dos anfitriões. A produção é realizada em San Francisco, mas o Brasil - quarto maior mercado da empresa - foi um dos países que mais encomendou a novidade.
Estranhamento revertido pela comunicação
Sair na frente em uma tendência tem seus desafios, especialmente num conceito que pressupõe significados construídos pelo uso.
Os novos logos que seguem o UX Branding podem parecer enigmáticos num primeiro momento, mas esse estranhamento inicial é transformado por meio da comunicação posterior à apresentação da solução. O Airbnb, por exemplo, criou um vídeo em que apresenta o que está por trás das linhas que parecem um coração de cabeça para baixo ou mesmo o “A” do nome da empresa.
Abrimos espaço para a criatividade. Teve gente que não entendeu, que não gostou, mas, colocando na balança, não podíamos estar mais felizes. O novo logo abriu um leque de oportunidades. Muitas imagens foram compartilhadas no Instagram e em outras redes sociais, com a marca desenhada na areia de uma praia e até em um bolo de aniversário”, conta Samuel Soares.
Mais cases
O Myspace já havia inovado em seu logo em 2010, com a palavra “my”, na tipologia Helvetica, e um símbolo delineando um espaço em branco, que pode ser preenchido pelo usuário da forma que lhe convier. A solução pioneira partiu de uma companhia que, na época, já contava com um Vice-Presidente de User Experience.
A Ocad University desenvolveu uma solução com a mesma ideia, deixando uma área para intervenção dos funcionários e alunos. Assim, os cartões de trabalho, por exemplo, passaram a ganhar um incentivo à customização.
A construção coletiva de marcas, até o momento, alcança, portanto, companhias de educação, de tecnologia e sociais, mas ainda não chegou às corporações mais tradicionais, como as de bens de consumo. A semente está plantada.
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