"Mudar a cultura para que riscos sejam assumidos e adotar ferramentas adequadas para ampliar a criatividade dos profissionais são caminhos para que desafios virem oportunidades."
Toda criança percorreu, durante a infância, castelos com princesas ou lutou contra monstros em sua imaginação. A simples e comum imagem dos pequenos brincando sozinhos em casa, como se ali houvesse outros personagens, serve para demonstrar que toda pessoa nasce extremamente criativa.
Todos têm a capacidade de abstração e criação, mas a habilidade, tão requerida por empresas hoje em dia, acaba tolhida com o passar do tempo pelo medo de errar e de assumir riscos.
Em tempos de recessão econômica, em que é preciso entregar o mesmo valor aos consumidores, a um preço mais baixo e, simultaneamente, mantendo a margem de lucro, a inovação torna-se imperativa. Mas para chegar a soluções inteiramente novas é preciso resgatar aquelas habilidades tão infantis e naturais de abstração.
Professor da Universidade de Stanford e Sócio da consultoria People Rocket, no Vale do Silício, Richard Cox defende que a criatividade pode ser ensinada. O especialista esteve no Brasil este mês para realizar a palestra “Aplicando Design Thinking em Projetos Reais” na Escola Design Thinking, em São Paulo.
A metodologia do Design Thinking pode ajudar nesse processo. “Chegar a uma ideia é a parte mais fácil. Já concretizar a inovação e entregá-la ao mundo, criando um modelo diferenciado de negócio ou de organização das pessoas, exige muito esforço.
A arte de inovar pode ser ensinada e todos podem aprender, mas suscitar o empreendedorismo para que essas inovações sejam materializadas e levadas à sociedade como um todo depende de muito trabalho”, pondera Cox, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Mundo do Marketing: “Inovação” se tornou a palavra chave dos negócios contemporâneos, embora não seja fácil chegar a uma solução inédita. Existem pessoas que são criativas e outras que não são? Rich Cox: A criatividade começa com a imaginação, que é a simples capacidade que uma pessoa tem de visualizar algo que na verdade não existe. Estou em Londres agora, mas posso me visualizar sentado a uma mesa com um pequeno pote de doce de leite.
É algo de que sinto falta aqui, mas posso imaginar a cena a ponto de parecer real para mim. Você poderia imaginar um punhado de cookies ou um dragão roxo voando no céu. Todos nós temos essa habilidade, desde que somos muito pequenos.
Se você visualiza coisas que não existem, mas faz isso com a intenção de resolver problemas ou confrontar desafios, está sendo criativo, na minha concepção do termo.
Somos criativos o tempo todo, como quando fazemos comida, desde a definição do que será a refeição até a união dos ingredientes para chegar a esse prato. Se criamos coisas que são novas, isso é criatividade, mas se criamos algo que é novo para o mundo, chegamos à inovação.
Mundo do Marketing: Como que destravamos a criatividade em nós mesmos e nas equipes de empresas?
Rich Cox: Se podemos ensinar a criatividade? Definitivamente, sim. Podemos ensinar as pessoas a usarem habilidades e ferramentas para que a criatividade trabalhe em prol da solução de problemas. E se usamos a criatividade para resolver problemas que não foram solucionados antes, então vamos chegar a soluções que são novas para o mundo e isso será inovação.
Chegar a uma ideia é a parte mais fácil. Já concretizar a inovação e entregá-la ao mundo, criando um modelo diferenciado de negócio ou de organização das pessoas, exige muito esforço. A arte de inovar pode ser ensinada e todos podem aprender, mas suscitar o empreendedorismo para que essas inovações sejam materializadas e levadas à sociedade como um todo depende de muito trabalho.
Mas, novamente, tem a ver com empenho. Viajo muito ao redor do mundo e tenho contato com todo tipo ideia. São produtos que gostaria de comprar e soluções muito boas para resolver problemas. Mas, por conta do que faço, não aplico a energia nem o empenho necessários para transformá-las em negócios e fazer dinheiro.
A ideia que posso vir a ter pode ser muito inovadora, mas não se tornará nada se eu não colocar o esforço necessário nela. Inovação e empreendedorismo estão relacionados à capacidade de se colocar empenho e determinação para fazer acontecer.
Mundo do Marketing: Por que as pessoas enfrentam tanta dificuldade de mudar a forma como fazem as coisas no trabalho e invocar a criatividade? Rich Cox: Posso demonstrar para você que todos são criativos, porque se você der a qualquer criança de cinco anos um problema para resolver, ela vai trazer muitas diferentes ideias. Algumas envolverão até mágica, maneiras impossíveis de fazer as coisas. T
odos somos criativos quando somos pequenos. À medida que nos tornamos adultos, começamos a pensar que devemos trazer somente boas ideias e começamos a julgar, pôr limites que vão nos impedindo de expressar nossa criatividade. Quando ensino pessoas a serem criativas, meu trabalho é ajudá-las a lembrar como era ser criança, a perder as inibições e a sentir segurança em propor coisas que possam funcionar ou não.
É preciso que os indivíduos aceitem os riscos eles próprios. Se trabalho para uma companhia e tenho uma ideia muito louca, que pode funcionar ou não, se eu pedir ao meu chefe, “posso fazer esse projeto?”, o que realmente fiz foi fazê-lo assumir o risco em meu lugar.
Se não funcionar, posso dizer, “bem, ele me autorizou a executar, não é minha culpa”. Mas a inovação é originada a partir do ato de se assumir o risco por si próprio. É aceitar esse desconhecimento sobre o sucesso ou fracasso, mas tentar mesmo assim.
Mundo do Marketing: O que faz uma companhia se tornar inovadora? Rich Cox: É preciso haver uma cultura que favoreça a inovação. Muitas companhias querem ser inovadoras e, para isso, investem em treinamentos para a equipe que envolvem o desenvolvimento de habilidades e o uso de ferramentas. Mas apenas treinamento não muda a cultura.
É preciso modificar tudo sobre a forma como o negócio é conduzido, como as pessoas abordam as questões diárias, como ideias de inovações são apoiadas. Tudo isso está relacionado a aceitar o risco e a posicionar o usuário no centro das decisões. É fundamental focar na descoberta das necessidades reais dos consumidores e na prototipagem das soluções.
Essas são as ferramentas que tornam uma empresa inovadora. O sucesso depende da forma como os profissionais agem. É preciso mudar as pessoas, em vez de apenas oferecer um curso ou alguns dias de treinamento. Tudo ronda uma mudança de cultura na empresa.
Mundo do Marketing: O que há de especial no Vale do Silício para que um número tão grande de inovações surjam ali?
Rich Cox: Acho que é algo na água (risos). Muitas pessoas vêm ao Vale do Silício e tentam responder essa pergunta. Não acho que alguém saiba exatamente. Há muitas suposições. Algumas situações, nessa região, ajudam a acelerar a inovação, começando pelo ambiente.
Existe uma grande quantidade de boas universidades reunidas na área, assim como empresas biomédicas, de tecnologia e profissionais com muitas habilidades e experiências. Há bom acesso a venture capital e outras formas de investimento, recursos esses “experientes”, ou seja, trata-se de “smart money”. São pessoas que têm experiência e dinheiro para ajudar negócios a crescerem.
De outro lado, há uma enorme quantidade de startups e empreendedores experientes, que já passaram por processos semelhantes antes. Acho que todos esses são fatores importantes.
Não acho que haja um segredo, mas todos os pedaços se complementam e fazem funcionar dessa forma, embora seja possível encontrar esse contexto em outros locais também.
Então, algo especial acontece ali, que ainda não conseguimos descobrir exatamente o que é.
Mundo do Marketing: Há um tempo que o conceito do Design Thinking extrapolou as agências de design e chegou ao mundo dos negócios atrelado à inovação. Esse é apenas mais um modismo do Marketing ou veio para ficar? Rich Cox: Ambos. A metodologia tornou-se muito popular, mas vemos, ao mesmo tempo, pessoas abordando as ferramentas de forma muito superficial, como ocorre com qualquer tendência. Se você as adota de forma leve e não abraça o conceito de forma profunda, não funciona da mesma forma.
À medida que o Design Thinking se popularizou, começou a existir muitas variações na aplicação e, o mesmo, na efetividade. O que sabemos é que companhias que realmente mergulham no modelo, como as agências de design e a Universidade de Stanford o fazem, chegam a uma forma muito promissora de abordar problemas e chegar a soluções inovadoras.
A segunda questão é que o Design Thinking não é exatamente um processo. Não são simplesmente os três, quatro ou cinco passos que as pessoas veem em diagramas disponíveis na internet. O Design Thinking é uma forma de encarar o mundo. É uma mentalidade e uma série de princípios que servem como guias para a solução de problemas.
E leva tempo para se absorver isso. Demanda aprendizado e experiência. Adotar o Design Thinking é, na verdade, mudar uma cultura. Isso consome um longo tempo de dedicação, para que as pessoas construam as habilidades de que precisam para realmente abraçar essa nova forma de fazer as coisas.
Trata-se de um giro de 180 graus.
Tradicionalmente, engenheiros tinham uma boa ideia, concretizavam-na e, depois, partiam para o Marketing e as vendas, de modo a criar a necessidade no mercado e convencer os consumidores a comprarem o produto. Com o Design Thinking, é feito exatamente o contrário disso.
A metodologia começa pelo entendimento das necessidades e só então os profissionais desenham uma solução, em um processo que envolve os usuários, para se ter certeza de que a oferta será efetiva. Assim, o Marketing e os esforços de venda se tornam muito mais fáceis de serem executados, porque a solução oferecida é algo realmente necessário ao mercado.
Então, gasta-se muito mais tempo e esforço entendendo o que será desenvolvido e construindo o produto ou serviço, em oposição aos esforços no fim do processo, quando a oferta é distribuída e vendida.
Mundo do Marketing: Dar um giro de 180 graus não é tarefa fácil… Rich Cox: Um dos maiores obstáculos é que, em uma companhia estabelecida, não é possível parar e refazer tudo. É preciso manter a operação. Então, é necessário ir realizando as mudanças ao longo do tempo. Outro desafio é que as pessoas vão a workshops e ficam muito entusiasmadas, ao voltarem a seus postos precisam operacionalizar o novo modelo mental em um ambiente que não é totalmente adequado.
Ainda assim, acabam pressionados a aplicar algo do que aprenderam. A terceira questão é que as habilidades de que estamos falando e as ferramentas que usamos nesse processo soam muito simples, mas usá-las bem depende de muita prática e habilidade. Tentando algumas vezes, apenas, não levará ao sucesso.
Há muitas formas de operacionaliza-las e a experiência fará a diferença neste momento.
Por exemplo, uma das etapas do processo do Design Thinking é a ideação e o brainstorming, gerando um monte de ideias. Um dos princípios é que os participantes não lancem mão de preconceitos nessa fase.
Isso é muito simples de se dizer, mas deixar nossos julgamentos realmente de lado, como seres humanos, é algo muito difícil de fazer. Algumas pessoas optam por meditar por um longo tempo, durante anos, para conseguir chegar a um estado de não-julgamento. Pensar que você pode tomar um dia de workshop e remover todo o seu julgamento dos brainstorms é estupidez.
Mundo do Marketing: Tanto pequenas quanto grandes empresas são capazes de inovar? Quais as vantagens e desvantagens de cada um desses grupos?
Rich Cox: Sim, todas podem inovar e, claro, cada uma deve agir de uma forma diferente. Uma startup é mais ágil por não ter uma ampla base de clientes ainda. Então, pode mudar toda a empresa de forma muito rápida e fácil.
Também emprega uma quantidade menor de pessoas, o que permite que uma mudança de cultura aconteça muito mais rapidamente. Mas o que lhe falta são recursos estabelecidos, não só dinheiro, como também clientes propriamente ditos e, algumas vezes, experiência.
São atributos com os quais grandes companhias contam. Elas não conseguem se mover tão rapidamente, mas têm disponível uma larga base de usuários para explorar necessidades. Ainda assim, ambos podem usar as ferramentas de formas diferentes. Uma das coisas excitantes do Design Thinking é que ele pode ser aplicado de maneiras distintas.
Ele nasceu focado no desenvolvimento de produtos. Depois, as pessoas começaram a aplicá-lo em serviços para em seguida adotá-lo no planejamento de negócios e, agora, estão usando para introduzir produtos inovadores entre os consumidores de uma forma que eles possam absorvê-los. A ampla aplicação do Design Thinking em torno de muitos aspectos de um negócio ajuda a escalá-lo.
Mundo do Marketing: Estamos em um momento econômico desfavorável no Brasil, que faz com que muitas empresas sofram. É possível inovar mesmo com pequenos orçamentos? Rich Cox: Recessões econômicas costumam normalmente dar origem a uma série de iniciativas empreendedoras. Parte disso é explicado por conta de a necessidade passar a motivação de que as pessoas precisam para empreenderem.
Muitos, quando estão em um bom e estável emprego, têm boas ideais que poderiam se tornar negócios, mas a motivação para tirá-las do papel é baixa. Mas se você perde seu emprego e não tem dinheiro o suficiente para se manter durante um tempo, existe a motivação para ir atrás da implementação dessas ideias e começar um novo negócio.
Não recomendo a recessão como uma estratégia para aquecer o empreendedorismo, mas é verdade que, quando ela ocorre, vemos muitas pequenas empresas surgirem. Esse é um ótimo momento para o empreendedorismo.
Mundo do Marketing: E em relação às empresas já estabelecidas? Rich Cox: O mau momento econômico pode ser mais difícil para as empresas estabelecidas, porque há mais medo e mais riscos no ambiente. Então, assumir o risco adicional da inovação pode parecer improvável.
No entanto, há oportunidade aí. Porque a questão, neste momento, é descobrir como fazer o mesmo, gastando menos dinheiro, para que a companhia possa cobrar menos dos consumidores. Esse é um grande desafio, mas quanto maior o desafio, maior a oportunidade.
As empresas permanecem por muito tempo fazendo tudo da mesma forma. Mas se pressionam a si mesmas para atender os usuários com menos recursos e mudam a estrutura para entregar o produto por metade do preço, mantendo a mesma margem de lucro, há muitas inovações que podem surgir capazes de tornar a organização imediatamente mais forte e, quando a economia se recuperar, ela estará à frente naquela inovação, colhendo frutos e gerando outras oportunidades.
Design Thinking não é mágica nem pode resolver todos os problemas de uma forma fácil. Não faz com que desafios e recessões simplesmente desapareçam, mas é um caminho muito promissor para encarar esses desafios quando eles surgem.
Leia também: 5 princípios do Design Thinking de Serviços. Dicas do Mundo do Marketing Inteligência. Conteúdo exclusivo para assinantes.
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