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quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Brasil atrai grandes players de leite, mas ainda peca em qualidade


"País é o terceiro colocado mundial em coleta de leite, mas mercado ainda é pulverizado entre pequenos produtores, com pouca instrução. Já o varejo é dominado por multinacionais."



*#:#* Por Luisa Medeiros, do Mundo do Marketing | 29/10/2014



A pecuária é um dos ramos mais prósperos da economia nacional. O país é o maior exportador de gado de corte do mundo e o terceiro colocado na produção de leite com um mercado avaliado em R$ 68 bilhões de acordo com dados da Euromonitor. 

Apesar da expressividade deste segmento, o Brasil ainda depende da importação do líquido para suprir sua demanda interna. Além disso, engatinha na produção dos itens de maior valor agregado, como as apresentações em pó, que em sua maioria são provenientes de multinacionais e têm preço final alto.

A conquista do mercado externo é outro desafio, já que a qualidade média do leite é considerada baixa para os padrões de muitos dos potenciais clientes, como China e Estados Unidos. As principais deficiências apontadas são o teor de gordura abaixo do considerado ideal para a comercialização, bem como a alta contagem bacteriana no produto, proveniente de falhas de higiene no processo que começa no pecuarista e vai até o envase nas indústrias.

O mercado nacional também teme a baixa qualidade dos laticínios. Desde 2007, a adulteração de lotes de leites UHT arranha a imagem de grandes empresas e contribui para a desconfiança do consumidor. Em Minas Gerais, os supermercados suspenderam oficialmente a compra de leite da marca Parmalat no ano de 2007, quando o primeiro caso deste tipo veio à tona. “São problemas sérios. 

A Parmalat, por exemplo, que já enfrentava problemas financeiros, esteve bem perto da falência. Por ser tratar de alimento adulterado, o impacto nas vendas costuma ser forte, atingindo, inclusive, outras empresas do setor”, avalia Roberto Simonard, Professor de Economia da ESPM Rio, em entrevista ao Mundo do Marketing.

Fraudes no leite UHT
Em 11 estados – Acre, Bahia, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins –, as denúncias geraram redução no consumo de até 60%, de acordo com as associações de supermercadistas locais.  As marcas Parmalat, Elegê, Líder e Piá foram algumas das que apresentaram irregularidades.


Já foram identificados lotes com a presença de citrato de sódio, soda cáustica, formol, água oxigenada, ureia, cal e álcool etílico, que podem causar danos à saúde dos consumidores. Este ano, muitos lotes de diversas marcas já tiveram a venda suspensa.

Os problemas de fraude no leite acontecem essencialmente no caminho da fazenda para as indústrias. Os transportadores compram o líquido dos produtores, pagando à vista, por litro, e revendem para as empresas. As substâncias incorporadas ao leite teriam a função de aumentar o volume e, consequentemente, o lucro. 

A operação leite compensado da Polícia Federal apreendeu 300 mil litros de leite contaminado em 2014 e prendeu 16 envolvidos nos crimes na região Sul só em outubro. 
O caminho para recuperar os arranhões provocados nas marcas é uma melhoria efetiva na qualidade dos produtos. 

“As indústrias precisam estabelecer normas de higiene e produção mais rigorosas e fortalecer a fiscalização para assegurar a qualidade do produto final”, aponta o Professor de Economia da ESPM Rio.

Os bastidores da produção leiteira
A produção de leite brasileira é bastante pulverizada. Pelo menos 80% do volume total coletado é proveniente de pequenos fazendeiros. As estruturas são essencialmente familiares ou com no máximo três funcionários contratados. 


A soma de todos os pequenos núcleos pecuários faz com que a atividade tenha um grande potencial econômico no cenário nacional. Só em Minas Gerais, que é líder em produção nacional, 700 mil pessoas se ocupam na atividade leiteira, de acordo com a Embrapa.

“A produção de leite no Brasil tem uma rentabilidade muito baixa, o que afasta os grandes pecuaristas. Isso porque a criação de corte é ostensiva e demanda menos mão de obra e equipamentos, sendo mais rentável”, aponta Roberto Simonard.
No outro lado desta equação, estão as grandes indústrias nacionais e principalmente multinacionais que pasteurizam, envazam e distribuem a bebida ao varejo. 

No último ranking da Embrapa Gado de Leite, de 2012, aparecem na liderança a DPA (Dairy Partners Americas) que é fruto de uma parceria entre a Nestlé e a Fronterra, cooperativa da Nova Zelândia, seguida pela LBR, que detinha na ocasião as marcas de leite Parmalat, Líder, Leitbom, Bom Gosto, Da Matta, Ibituruna e São Gabriel.

Recentemente entrou na disputa o grupo francês Lactalis, que comprou a Parmalat e também a divisão de lácteos da BRF com as marcas Batavo e Elegê pelo preço de R$ 1,8 bilhão. A área obteve uma receita de R$ 2,6 bilhões em 2013, o que coloca a empresa em uma posição de destaque no mercado nacional. 

“O mercado brasileiro, com o baixo custo da matéria prima e a isenção de impostos, atrai cada vez mais as empresa estrangeiras que querem produzir aqui”, diz o Professor de Economia da ESPM.  

Oportunidade para as regionais
Apesar do peso dos grandes players que dominam o mercado e também as gôndolas dos principais varejistas, o setor é próspero para as marcas regionais. O principal trunfo destas empresas é o vínculo afetivo com o consumidor, aspecto que beneficia a gaúcha Santa Clara, que já atua no estado há 102 anos. 


“Quando juntamos ética e inovação, temos espaço junto ao mercado local que vê de perto o trabalho. A concorrência existe, mas serve de motivação para buscarmos novidades para que o consumidor sinta esta preocupação e nos priorize”, pontua Alexandre Guerra, Diretor Administrativo e Financeiro da Cooperativa Santa Clara, em entrevista ao Mundo do Marketing.

Baseado no sistema de cooperativa, o laticínio conta com cinco mil famílias associadas e investiu também em lojas próprias como estratégia para destacar seus produtos. São, atualmente, 10 supermercados e 10 mercados agropecuários em funcionamento no Rio Grande do Sul. 

Outro ponto forte da associação é o estimulo à superação da qualidade na produção. Desde 1991, os produtores são remunerados de acordo com o padrão de leite entregue. “Essa é a décima vez que somos reconhecidos como a marca de queijos mais lembrada do estado. Isso vem de uma matéria-prima superior, o que mantém a credibilidade”, diz o Diretor da Cooperativa Santa Clara.

Em contrapartida aos bons resultados obtidos, a organização se compromete em absorver toda a produção e oferece benefícios como divisão dos lucros e programas de apoio técnico. Os pecuaristas têm acesso à inseminação artificial para o rebanho, veterinários e financiamento para equipamentos. 

Com estas iniciativas, a cooperativa pretende também garantir as gerações futuras de produtores, reduzindo o êxodo. “Com a assistência e a mecanização no campo, propiciamos que mais jovens queiram permanecer por se sentirem valorizados, tomando parte no negócio dos pais”, complementa Alexandre Guerra.

Responsabilidade social
A responsabilidade social com os produtores é cada vez mais levada a sério pelos players que querem se destacar no mercado ao garantirem um melhor produto final, além de ganharem em reputação. 


A Danone, por exemplo, inicia um trabalho de educação e profissionalização junto a algumas comunidades do Ceará antes mesmo de se tornarem produtores. O projeto “Mandacaru” beneficia 130 famílias, ensinando o trabalho na pecuária, promovendo o associativismo entre os futuros produtores e, consequentemente, gerando um aumento de renda local.

Essa postura se estende por toda a linha produtiva da empresa. A companhia que compra 1% de todo o leite produzido no Brasil e é o oitavo maior laticínio em operação no mercado nacional compra apenas matéria-prima proveniente dos produtores que participam do programa “Danone de qualidade e segurança alimentar”, que orienta e seleciona o insumo que será aproveitado. 

“A realidade da produção de leite sob uma lupa mostra que a maioria da mão de obra não tem eficiência ou garantia de qualidade. Precisamos acelerar este processo de profissionalização que já foi iniciado pelo governo”, aponta Jose Pollastri, Gerente de Captação e Frete da Danone, em entrevista ao Mundo do Markerting.

Complementa os investimentos no campo o Danleite, que ensina os fazendeiros a otimizarem seus rebanhos e lavouras minimizando custos. Além disso, uma central de compras coletivas garante descontos para os participantes do projeto na aquisição de insumos como alimentação e medicamentos para o gado. 

Além disso, em Minas Gerais a empresa firmou uma parceria com o Sebrae em uma ação chamada Educampo, que leva zootecnistas ou veterinários para junto do produtor auxiliando na gestão a longo prazo. “Os frutos ficam claros no crescimento frente ao restante do país. 

A produção de leite no Brasil cresceu na casa dos 4% ao ano na última década. Nossos produtores crescem em média de 10% a 12% ao ano, o que leva a Danone a crescer acima do PIB e do mercado”, complementa Jose Pollastri.

Leia também: Panorama do mercado leiteiro no Brasil. Estudo do Mundo do Marketing Inteligência.

Ordenha | Exportação | Produção | Pecuária | Leite

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