Análise indica que extremos opostos ganham destaque, por isso ao criticar muitas vezes aumenta-se a visibilidade do conteúdo criticado.
Por BBC
24/07/2020 08h53 Atualizado há 2 dias
Postado em 26 de julho de 2020 às 15h00m
* Post.N. -\- 3.803 *
Em 18 de maio de 2020, uma hashtag contra judeus amanheceu entre os assuntos mais comentados do Twitter na França.
Visível para os quase 9 milhões de usuários da rede social no país, não
demorou para que a #sijetaitunjuif, ou #seeufossejudeu, parasse no
debate público.
Discussões foram feitas em programas jornalísticos, entidades judaicas
emitiram notas de repúdio e políticos usaram o ataque antissemita para
reforçar bandeiras.
Mas o que parecia uma grande campanha de ódio contra os judeus - ao
ponto de ficar entre os temas mais comentados naquela manhã entre os
franceses - na verdade começou como algo pontual e acabou crescendo
justamente pela ação de quem se indignou com aquilo.
Um monitoramento feito pelo hacker francês ativista no combate à
desinformação e proteção de dados Robert Baptiste, que usa o codinome
Elliot Alderson nas redes sociais, mostra que os primeiros tuítes
começaram a circular em um pequeno grupo, na noite anterior: ao todo, 54
pessoas que só interagiam entre si fizeram alguns posts, muitas com
perfis falsos.
O engajamento das mensagens era baixo, com pouca interação e poucos compartilhamentos.
Mas tudo mudou quando usuários fora dessa "bolha" descobriram a hashtag
e se indignaram com ela. Com mensagens públicas expondo a revolta,
usuários adotaram a hashtag para pedir ao Twitter que fizesse algo.
A partir daí, compartilhamentos, curtidas, comentários... Logo, o assunto foi parar entre os mais discutidos.
Durante a manhã, a Liga Internacional contra o Racismo e o
Antissemitismo se pronunciou sobre o assunto. Depois foi a vez de
políticos dos extremos do espectro e influencers.
"De indignação em indignação, a hashtag se espalha para todos os
lugares (...) É um padrão. As pessoas veem algo que as choca e mencionam
o conteúdo. Fazendo isso, elas o amplificam", disse Baptiste à BBC News
Brasil.
Atenção aos extremos
O exemplo não é exclusividade da França. Não é raro que postagens e
vídeos sejam impulsionados nas redes sociais por aqueles que mais os
repudiam.
E isso pode ter a ver com o efeito que as redes sociais têm sobre nossas emoções.
"O algoritmo das plataformas trabalha para que passemos mais tempo
nelas. E os posts e assuntos com reações mais extremas nos faz ficar
mais [tempo], por causa da indignação dos dois lados", conta a
professora Lilian Carvalho, coordenadora do Núcleo de Comunicação,
Marketing e Redes Sociais Digitais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
E, quanto mais um determinado post envolve os usuários, mais ele vai
ganhando destaque e alcançando novas pessoas. No caso do Twitter, pode
parar nos Trending Topics; no Facebook, pode aparecer mais alto no feed
de amigos; no YouTube, pode aparecer nos vídeos "em alta" e
"recomendados".
'Economia do ódio'
Apesar de estarmos conectados o dia inteiro de alguma forma nas redes
sociais, não é sempre que achamos tempo para nos engajarmos.
Trabalho, almoço, estudo, tarefas domésticas… É nessa disputa por nossa
cada vez mais escassa atenção que acontece o debate de ideias nas
plataformas, explica Marco Bastos, professor de comunicação e
especialista em redes sociais da City University of London, no Reino
Unido.
"Não tem como dar atenção a tudo que está acontecendo, então os
usuários usam o pouco tempo que têm para investir em ideias que são
caras a eles, na guerra de quem vai falar o que ou quem vai ter mais
resultado sobre aquilo. A economia do ódio atua justamente aí, no
conteúdo que as pessoas não vão conseguir evitar olhar e comentar", diz.
Um dos resultados disso, segundo os especialistas, é a polarização, já que os extremos repercutem mais.
Para Lilian Carvalho, as postagens no "meio-termo", mesmo que concordemos com elas, não despertam o nosso interesse.
"Não digo que a pessoa não deve se indignar, mas entender o que essa
indignação significa no ambiente das redes sociais e como as plataformas
utilizam de gatilhos emocionais para manipular nossas emoções".
No caso específico do Twitter, o professor Marco Bastos ressalta ainda
que mudanças feitas pela plataforma alteraram o aparecimento de assuntos
na lista do Trending Topics, que reúne os assuntos mais comentados.
Se antes, ela era baseada apenas na quantidade de posts, hoje leva em
consideração a diversidade de grupos que falam sobre o mesmo assunto.
Ou seja, se todos os ambientalista do mundo - mas apenas eles - resolverem impulsionar uma hashtag, só vão conseguir emplacar caso o assunto seja discutido fora da "bolha" e gere algum tipo de embate.
Direito de imagemTWITTER Image caption Protesto contra YouTuber Felipe
Neto ficou entre os assuntos mais comentados, mas muitas mensagens o
defendiam — Foto: Reprodução/Twitter
Na terça-feira (21), a hashtag #FamíliasContraFelipeNeto, por exemplo,
apareceu entre os assuntos mais comentados na rede social.
A ideia era protestar contra os posicionamentos políticos do popular
youtuber brasileiro. Uma simples busca pelo termo, porém, mostra que
alguns dos posts com mais engajamento, na verdade, eram de apoio a
Felipe Neto.
Ainda assim, a notícia sobre a popularidade do termo foi tema de posts de blogs e sites de notícias.
Em outros casos, grupos contrários conseguem, de fato, se apropriar de uma hashtag e dar um novo significado a ela.
Um exemplo recente é a #WhiteLivesMatter, ou Vidas Brancas Importam,
que começou como reação ao movimento antirracista Vidas Negras Importam.
O termo acabou sendo "sequestrado" por fãs da música pop sul-coreana, o
k-pop, que diluíram mensagens racistas num mar de posts sobre seus
ídolos.
A lista de assuntos mais comentados no Twitter é muito utilizada para
pautar jornalistas e em debates na TV no Brasil, como no programa
matutino Encontro com Fátima Bernardes, da Rede Globo.
"Acho que o usuário sabe que, ao falar sobre o assunto, o está
impulsionando. Mas essa não é a preocupação principal dele no momento
que ele quer impor seu ponto de vista", explica o professor Marco
Bastos.
À espera dos compartilhamentos
Chamar a atenção dos usuários com as reações extremas é apenas um dos
artifícios das redes sociais para estimular mais o uso de suas
plataformas.
A estrutura também nos faz esperar por reações ou "fazer parte de uma
comunidade", como explica Bastos. Quando nos posicionamos, desejamos
curtidas, comentários e compartilhamentos.
Em recente entrevista à BBC, a jornalista espanhola Marta Peirano,
autora do livro El Enemigo Conoce El Sistema (O inimigo conhece o
sistema, em tradução livre), ressaltou que a estrutura das redes sociais
nos faz ficar viciados.
"Somos viciados em injeções de dopamina que certas tecnologias
incluíram em suas plataformas. Isso não é por acaso, é deliberado".
A dopamina é um neurotransmissor cuja atividade está ligada à motivação
que temos para fazer as coisas e pode ser acionada por uma série de
estímulos externos, de um barulho a uma notificação.
"Temos que lembrar que tudo isso é muito novo, estamos aprendendo.
Antes, quando só consumíamos TV, era fácil controlar. Era só mudar de
canal para a gente deixar de ver o que não queríamos reagir. Agora não,
estamos na mão do algoritmo, que coloca o assunto que quer na nossa
frente", conclui a professora Lilian Carvalho.
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