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segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Raj Sisodia: “Sem propósito, marcas agem como se não houvesse futuro”

"Cofundador do Instituto Capitalismo Consciente, o indiano defende que, para mudar e alcançar o sucesso no mundo contemporâneo, empresas precisam mudar sua liderança."

 

*.\0/.* Por Renata Leite | 31/08/2015


Assim como o nome já diz, o principal motor do sistema capitalista é o capital. Melhor dizendo, o lucro, que Karl Marx cunhou de forma crítica como mais-valia. 

Desde a concepção do sistema, entretanto, muita coisa aconteceu - da queda do muro de Berlim e dos regimes comunistas à chegada da Geração Millennial ao mercado de trabalho - e tornou cada vez mais iminente a necessidade de revisão daquele guia original dos negócios, representado por cifrões. 

Hoje, as empresas despertam, pouco a pouco, para a importância de se buscar propósitos mais nobres para as suas atividades, enxergando o lucro como resultado e não como objetivo maior.

A nova mentalidade, entretanto, não pode se resumir a uma maquiagem para levar a organização ao sucesso na nova era, e esse é um dos desafios assumidos por Raj Sisodia, Cofundador e Copresidente do Instituto Capitalismo Consciente, que esteve no Rio de Janeiro na última semana durante o evento Sustainable Brands. 

Coautor dos livros “Capitalismo Consciente: Libertar o espírito heróico dos negócios”, "Os segredos das empresas mais queridas” e “Empresas Humanizadas - Pessoas, propósito e performance”, o professor do Babson College, em Massachusetts, EUA, foi citado, em 2003, como um dos “50 líderes pensadores em marketing” e nomeado para o “Guru Gallery” pelo Chartered Institute of Marketing. 

Também foi escolhido um dos “Top 100 líderes do pensamento em Trustworthy Comportamento Negócios”, por Trust Across America em 2010 e 2011.

A entidade sem fins lucrativos criada por Sisodia já está em seis países, além dos Estados Unidos, entre eles o Brasil, o que demonstra que cada vez mais empresas despertam para as novas demandas do mundo contemporâneo.

Mas o percurso ainda é longo. “Muitas companhias e, especialmente, muitos líderes, chegaram até aqui em um modelo mental de que os negócios devem estar direcionados para a maximização dos lucros. E muitos desses líderes são pessoalmente motivados por seu próprio poder e seu próprio enriquecimento.

Eles se tornaram líderes porque queriam ganhar muito dinheiro. É muito difícil tornar esse tipo de líder consciente, porque ele, na verdade, está usando as outras pessoas para alcançar o sucesso pessoal dele”, diz o guru indiano, em entrevista exclusiva ao Mundo do Marketing.

Mundo do Marketing: Você acredita que ocorreu uma transformação na mentalidade das empresas ao longo dos últimos anos?
Raj Sisodia: O propósito está se tornando praticamente uma ideia mainstream. É curioso. Ensinei Marketing e estratégia por quase 25 anos sem usar a palavra propósito. Por que ensinávamos, em Administração de Negócios, que o propósito das empresas já era dado a nós: maximizar os lucros. 


Aceitávamos essa ideia sem questionar. Foi somente pesquisando para meu livro que percebi que deveria haver um propósito além do lucro. Antes de conversarmos sobre estratégia temos que falar sobre o propósito, que aponta para onde estamos indo.

Depois, é possível pensar em como chegar lá. Cada vez mais companhias estão percebendo que só ter o lucro como propósito não é suficiente. Ele é o resultado de agir guiado pelo propósito, de uma forma eficiente. 

O lucro não inspira ou energiza ninguém, não atrai profissionais, o que faz com que se tenha que investir muito em publicidade e em promoção para convencer os consumidores a comprar.

Mundo do Marketing: Por que as empresas estão acordando para a importância de terem um propósito que vá além dos ganhos financeiros?
Raj Sisodia: Elas estão reconhecendo que a antiga forma de atuação não está funcionando. Funcionou por um tempo, mas o mundo mudou dramaticamente. A partir de 1989, o mundo entrou em uma nova fase. Chamamos de Era da Transcendência, em que as pessoas estão indo além do material e passam a se preocupar com outras questões também. 


Muitas coisas aconteceram nos últimos 25 anos, como o colapso do comunismo, a queda do Muro de Berlim, a invenção da rede mundial de computadores, um crescimento na transparência, no acesso à informação, estamos mais conectados, inteligentes, educados, conscientes, vemos a alta dos valores femininos. São mudanças importantes na sociedade que estão surgindo juntas. O impacto total é grande.

A forma como o mundo girava até os anos 1980 não funciona mais, o que gera confusão. Mas muitos estão se perguntando como ser relevante na vida das pessoas e ter um impacto positivo de verdade no mundo. 

Alguns, entretanto, praticam apenas greenwashing ou contratam uma boa agência de publicidade para chegar a um propósito com uma boa sonoridade, mas que não passa de um slogan. Ele precisa ser real. 

O propósito deve ser verdadeiramente profundo e autêntico, em nome do qual a empresa está disposta a sacrificar outras coisas. É o que a companhia defende. É preciso partir do propósito para criar valor para todos os stakeholders, para diferentes tipos de líderes e de culturas.

Mundo do Marketing: E como companhias que foram guiadas pelos lucros por décadas podem buscar seus propósitos e mudar de atitude?
Raj Sisodia: Se voltarmos à história da empresa, ao início, e entender por que ela foi criada, quais eram as paixões e as crenças dos fundadores, na maioria das vezes, vamos encontrar algum propósito. Costuma haver um propósito original, mas com o passar do tempo, à medida que a companhia cresce, os fundadores vão embora, tudo passa a girar em torno de dinheiro. 


O que fazia a empresa especial se perde. É preciso voltar e redescobrir a essência. Muitas organizações estão fazendo isso. Há consultorias que ajudam nessa busca. A questão é que elas não podem trazer nada pronto. Devem trabalhar com a empresa para entender, entrevistar muitas pessoas, entre empregados que atuam na companhia há muito tempo e outros stakeholders.

E isso é algo de que o mundo precisa. Uma empresa deve ser significativa para o mundo, de modo a importar para as pessoas. Mas se a organização nunca teve um propósito e sempre foi guiada apenas pelo lucro, mesmo assim, da mesma forma que acontece com os seres humanos na meia-idade, ela pode se ver diante de uma crise existencial e buscar seu propósito. 

Pode chegar à conclusão de que não tinha esse Norte ao longo da história, mas hoje, diante do que é, do que faz bem e do que o mundo precisa, pode encontrar essa essência, que faça a diferença para as pessoas e o todo.

Mundo do Marketing: Qual o papel das novas gerações nesse processo de mudança no modelo capitalista?
Raj Sisodia: Os Millennials cresceram com todas essas mudanças: a rede de computadores, as mídias sociais, a conectividade. E eles são muito inteligentes também. A inteligência está crescendo a cada nova geração. 


Se comparássemos o QI desses jovens hoje com os de 80 anos atrás, eles seriam considerados gênios. Além disso, eles são da geração que mais busca propósito e significado. Antes, as pessoas chegavam a esses questionamentos a partir da meia-idade, mas muitos Millennials já se deparam com eles ainda na adolescência.

Isso leva a mudanças de comportamento, primeiramente enquanto funcionários.
Eles estão mais engajados em fazer algo que mude o mundo. E também enquanto empreendedores, buscam propósito, está no jeito natural de viver deles. O desafio principal é que grande parte não confia nas empresas. 

Acha que são más e egoístas, o que leva os jovens, muitas vezes, a criarem ou atuarem em organizações sem fins lucrativos. Tentamos mostrar que os negócios podem ser belos, tendo um grande impacto positivo no mundo, por serem capazes de escalar sua atuação sem serem dependentes de doações.

Mundo do Marketing: Apesar de todas as polêmicas envolvendo as plataformas, a Economia Compartilhada pode ser um novo caminho para o capitalismo?
Raj Sisodia: Toda a ideia do capitalismo é baseada na liberdade econômica e política. Então as pessoas deveriam ser livres para agir e tentar novas coisas. Temos uma infraestrutura existente: temos táxis e hotéis, assim como licenças e regulações que mantêm toda essa estrutura no lugar. 


Quando surgem as alternativas, temos que pensar em como fazer para que a transição ocorra e todas as opções possam coexistir. Nem todo mundo deseja se hospedar pelo Airbnb. É preciso calcular como fazer a transição de uma forma suave. 

De um modo geral, acho a tendência positiva, especialmente quando a economia compartilhada chega aos carros, porque, se você olhar pelo ponto de vista da sustentabilidade, os automóveis costumam estar ociosos na maior parte do tempo e, quando começamos a usar infraestrutura compartilhada, é possível satisfazer as necessidades de transporte das pessoas com muito menos veículos.

Portanto, há menos impactos em consumo de energia, de materiais, na construção e no descarte dos carros. Um número menor de automóveis pode então prover o mesmo valor para os consumidores, o que é melhor em diversos campos. 

O que temos que garantir é que o novo modelo não destrua muitos empregos do modelo tradicional, mas acho que encontraremos um caminho nesta nova proposta, em que não se paga pela propriedade, mas pelo uso. As companhias devem deixar de lucrar com a venda para ganhar com o uso do carro ou de outra infraestrutura. 

Então, tudo se torna um serviço. Você não compra mais tantos produtos, mas paga pelo que eles fazem. E isso muda a lógica de produção, porque o incentivo para a indústria passa a ser o de criar um produto que vá durar por muito tempo. Como pneus, que serão muito melhores se forem capazes de rodar cinco mil milhas do que se custarem US$ 5,00, mas forem descartados rapidamente.

Mundo do Marketing: Mas hoje o que mais vemos são produtos descartáveis, feitos por indústrias que se apoiam na obsolescência programada para vender mais e mais…
Raj Sisodia: A maioria das companhias age como se não houvesse futuro e o futuro é um stakeholder. Quando você é consciente, começa a pensar nas consequências de longo prazo das suas ações de hoje e a pensar nas consequências dessas ações na vida de outras pessoas. 


Ou seja, os efeitos não só em meu próprio bem-estar e nos meus lucros, mas nos dos demais. Isso é o que significa ter um negócio consciente.

Mundo do Marketing: O que as empresas ainda não compreendem sobre o movimento do capitalismo consciente?
Raj Sisodia: Muitas companhias e, especialmente, líderes chegaram até aqui em um modelo mental de que os negócios devem estar direcionados para a maximização dos lucros. E muitos desses líderes são pessoalmente motivados por seu próprio poder e seu próprio enriquecimento. 


Eles se tornaram líderes porque queriam ganhar muito dinheiro. É muito difícil tornar esse tipo de líder consciente, porque ele, na verdade, está usando as outras pessoas para alcançar o sucesso pessoal dele. Essa é a definição de um tirano, não de um líder. 

Ele sabe como entregar números, como cortar custos, mas não está focado em gerar impacto na vida das pessoas. Nem parece se importar muito com isso. Se falarmos com esses líderes sobre o capitalismo consciente, eles não entendem porque acham que está tudo bem. Não compreendem os problemas que estão ocorrendo dentro da empresa.

Algumas vezes, é preciso buscar uma nova liderança que seja motivada por propósito e por serviço às pessoas e não apenas por poder e pela riqueza pessoal. As empresas que têm esse tipo de líder no quadro de diretores e essa mentalidade são mais bem-sucedidas financeiramente no longo prazo. 

Mas algumas pessoas não acreditam nisso. Se não estiverem focadas no lucro, como poderão ser rentáveis? Mas é como a felicidade. Se você apenas tentar ser feliz, você não o será. É preciso conduzir sua vida de uma determinada maneira para ser feliz. 

O mesmo ocorre com os negócios. Se uma empresa é criada com base em cuidado e amor e cresce com os seus erros, o lucro virá, ele é o resultado. É uma mudança de mentalidade. Nossa concepção é a de que o capitalismo consciente pode envolver qualquer negócio, especialmente os que visam o lucro, que são a maioria.

Acreditamos que o lucro é necessário no mundo, porque, se não for assim, aparecem as taxas, para que o governo possa financiar a infraestrutura e os serviços sociais, como a educação pública e a saúde pública. 

O problema é que, anteriormente, o lucro era perseguido em detrimento de outras questões, levando a outras formas de danos: no ambiente, na saúde das pessoas, no bem-estar, no estado mental das pessoas… O que estamos dizendo é que é possível ter lucro para investidores ao mesmo tempo em que se gera impacto na sociedade, mantendo um propósito social. É possível fazer o bem a todos os stakeholders ao mesmo tempo e gerar um impacto ainda maior no mundo. 

Leia também: Economia compartilhada. O que é, desafios e oportunidades. Estudo do Mundo do Marketing Inteligência. Conteúdo exclusivo para assinantes.

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